Elas começaram este ano no primeiro dia de Bolsonaro à frente
da Presidência da República. Na cobertura da posse, jornalistas ficaram
confinados por cerca de sete horas, com acesso restrito à água,
alimentação e banheiro. Depois disso, a violência contra a imprensa só
fez escalar. Profissionais foram impedidos de participar ou foram
agredidos em coletivas do Planalto. Em agosto, ao defender a exclusão de
ilicitude no Código Penal, Bolsonaro declarou que se “o excesso
jornalístico desse cadeia, todos vocês estariam presos”. O Presidente
chama de “excesso jornalístico” ou de “fake news” toda e qualquer
crítica feita ao seu governo. Em novembro, a Federação Nacional dos
Jornalistas divulgou que já foram 111 ataques de Bolsonaro à imprensa
este ano.
2- Extinção do Ministério da Cultura
Concretizada no dia 2 de janeiro, a extinção do MinC foi um dos
primeiros atos do atual governo. Suas atribuições foram repassadas ao
recém-criado Ministério da Cidadania, comprometendo a prioridade dos
esforços públicos no setor da cultura. O MinC existia desde 1985,
justamente quando o país retomou o rumo da democracia e reconheceu o
papel da cultura para o fomento à diversidade e a ampliação da liberdade
de expressão e da produção artística, bem como para o acesso à
informação e ao conhecimento. Em novembro, a pasta da Cultura foi
transferida para o Ministério do Turismo.
3- Censura e ameaça de privatização da EBC
Em meados de abril, uma nota assinada por trabalhadores da
Empresa Brasil de Comunicação e pelos sindicatos dos Jornalistas e
Radialistas do Distrito Federal, Rio de Janeiro e São Paulo informou que
os veículos da EBC estavam proibidos de usar palavras como “golpe” e
“ditadura” para se referir ao que aconteceu em 1964 em suas reportagens.
No mesmo mês, a TV Brasil, canal público gerido pela EBC, teve sua
programação fundida com a da TV NBr, destinada a transmitir atos do
Poder Executivo. A medida afronta a Constituição Federal, que estabelece
a complementaridade entre os sistemas público, privado e estatal de
comunicação, e está sendo questionada em ação do MPF. Em outubro, uma imagem da vereadora Marielle Franco, assassinada em 2018, foi censurada do programa “Antenize”, da TV Brasil.
Em novembro, o programa Alto Falante, que falaria de Arnaldo Antunes,
foi retirado inesperadamente da grade da TV. Ele exibiria um clipe da
música de “O real existe”, que fala de milicianos. O Ministério Público
Federal já solicitou ao Tribunal de Contas da União que investigue a EBC
por censura. Ainda em novembro, funcionários da EBC repudiaram a
inclusão da empresa no pacote de privatizações de Bolsonaro e Paulo
Guedes, ministro da Economia.
4- O racismo que estrutura a mídia brasileira
Em julho, no programa Alterosa Alerta, da TV Alterosa, afiliada
do SBT em Minas Gerais, o apresentador Stanley Gusman afirmou: “Eu sei
quem é o dono do Ibope. O nome do cara é Montenegro. Se ele fosse do
bem, ele ia chamar Montebranco”. O caso, que repercutiu este ano, é
apenas mais um exemplo do racismo estrutural no Brasil, que também atinge as comunicações. Ainda
que por linguagem diferente, o comentário de Gusman se aproxima da
publicidade do Ministério da Educação, veiculada em plataformas digitais
em junho, na qual uma jovem negra passa a ter a pele branca após ganhar
uma bolsa de estudos e conseguir se formar. A parte da jovem sem os
estudos é negra, enquanto a mão segurando o diploma é branca. No último
domingo (8), o apresentador e dono do SBT Silvio Santos protagonizou
mais um caso de racismo na TV. No quadro “Quem Você Tira?”, o
apresentador não reconheceu a vitória da cantora negra Jennyfer Oliver,
escolhida como a melhor candidata por votação popular. Enquanto Jennyfer
recebeu 84 votos, suas adversárias receberam 8, 5 e 3 votos,
respectivamente. Silvio Santos não apenas decidiu dar o mesmo prêmio
para todas as candidatas como aumentou o valor em dinheiro para a
candidata que julgou ser “melhor e mais bonita”: uma mulher branca.
5- Mudanças no Conselho Superior de Cinema
A transferência do Conselho Superior de Cinema à Casa Civil,
por meio do Decreto 9.919, de 18 de julho de 2019, reduziu a
representação da sociedade civil no órgão, aumentando o poder do governo
sobre a atuação do colegiado e o risco de torná-lo um instrumento de
patrulhamento ideológico e de censura da produção artística. Uma
Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) foi movida
pela Rede Sustentabilidade contra a medida. Em novembro, artistas,
profissionais do setor audiovisual e organizações da sociedade civil,
entre elas o Intervozes, participaram de audiência pública no STF para
subsidiar os ministros em seu futuro julgamento da ADPF 614 e denunciar a censura no ambiente artístico.
6- Cancelamento de edital de conteúdos com a temática LGBT
Em agosto, o Ministério da Cidadania publicou a Portaria
1.576/2019, cancelando um edital da Agência Nacional de Cinema (Ancine)
voltado para produções de séries de temática relacionadas a vidas de
pessoas Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transgêneros (LGBT) para exibição
nas TVs públicas. O pretexto foi a necessidade de recompor os membros do
comitê gestor do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA), mas as
declarações de Bolsonaro comprovaram a decisão do governo em paralisar o
financiamento público a produções audiovisuais sobre diversidade de
gênero e sexual. À época, o Presidente afirmou: “É um dinheiro jogado
fora. Não tem cabimento fazer um filme com esse tema”. Em ação civil
pública movida pelo Ministério Público Federal, a Justiça Federal do Rio
de Janeiro reconheceu o forte potencial discriminatório e lesivo a
direitos fundamentais e ao interesse público da portaria, determinando
que a União e a Ancine dessem continuidade ao edital.
7- Censura na Bienal do Livro do Rio
Em setembro, o bispo da Igreja Universal do Reino de Deus e
prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella, mandou recolher o HQ
“Vingadores – a cruzada das crianças” da Bienal do Livro da cidade. A
história em quadrinhos trazia cenas de um relacionamento homoafetivo
entre heróis. A tentativa de censura levou à indignação e manifestações
de artistas e defensores da liberdade de expressão e acabou gerando o
efeito contrário: a obra se esgotou em questão de minutos na Bienal.
Depois do anúncio de Crivella nas redes sociais, a Prefeitura do Rio
mandou uma notificação extrajudicial para a Bienal pedindo, na verdade,
que os livros fossem lacrados e viessem com aviso de conteúdo impróprio
para crianças. À época, a organização do evento afirmou que não iria
recolher nem embalar nenhum livro, já que não se tratada de conteúdo
impróprio ou pornográfico. Acrescentou, ainda, que “dá voz a todos os
públicos, sem distinção, como uma democracia deve ser”.
8 – Censura a peças de teatro
Este ano, a Caixa Cultural cancelou, sem maiores explicações,
pelo menos três peças teatrais. Em setembro, a peça infantil “Abrazo”,
da companhia Clowns de Shakespeare, foi cancelada após estrear na Caixa
Cultural do Recife. O espetáculo, baseado no “Livro dos Abraços”, de
Eduardo Galeano, era centrado na vida de personagens proibidos de dar
abraços. Já em Brasília, a peça “Gritos”, que tem uma travesti entre
seus personagens, teve apresentação cancelada. A companhia Dos à Deux
havia sido selecionada por edital para apresentar duas peças na capital.
Em redes sociais, a equipe relatou ter sido pressionada e informada da
necessidade de aprovação prévia do superintendente da instituição antes
da encenação da peça. No Rio de Janeiro, o fim das tratativas com a peça
“Lembro Todo Dia de Você”, que tem como protagonista um personagem
homossexual soropositivo, também levantou suspeitas de censura. Além das
peças, a Caixa Cultural também cancelou uma série de palestras para
crianças e adolescentes sobre democracia, chamada “Aventuras do
Pensamento”, e uma mostra sobre a cineasta Dorothy Arzner, sobre
sexualidade. A Caixa Econômica Federal hoje é dirigida por Pedro
Guimarães, membro da equipe de Bolsonaro desde o período de transição do
governo.
9- Violação à privacidade dos cidadãos
Uma das principais condições para o amplo exercício da
liberdade de expressão é a existência de um ambiente em que a
privacidade dos cidadãos e cidadãs seja respeitada. Em outubro,
entretanto, por meio de decreto, o governo federal criou o Cadastro Base
do Cidadão, unificando dados pessoais de dezenas de serviços públicos,
vinculando-os ao CPF. Além de dados biográficos como nome, data de
nascimento, sexo e filiação, o cadastro incluirá atributos biométricos,
como características da palma da mão, digitais, retina ou íris, formato
da face, voz e maneira de andar. O Planalto alega que o objetivo é
desburocratizar o fluxo de dados entre entes públicos, mas a medida tira
o poder do cidadão sobre suas informações e vai na contramão da Lei
Geral de Proteção de Dados Pessoais, aprovada em 2018. No contexto de um
Estado autoritário, o Cadastro Base poderá ser usado para iniciativas
de vigilância do poder público e consequente ameaça à liberdade de
expressão.
10- Ameaças à concessão da Rede Globo
Em novembro, em transmissão ao vivo na Internet, Bolsonaro reagiu violentamente à reportagem do Jornal Nacional,
da Rede Globo, que incluía seu nome entre os citados na investigação do
assassinato da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes.
O presidente ameaçou “não facilitar” a renovação da outorga da
emissora, que vence em 2022. Quando o chefe do Executivo fala em ser
rígido apenas com a renovação da concessão da TV Globo, algo que deveria valer para todas as empresas vira chantagem política. Ao
fazê-lo, Bolsonaro admite que sabe que não há um processo adequado de
acompanhamento e verificação das normas pelas concessionárias e, ao
mesmo tempo, defende a aplicação da regulação de acordo com sua vontade
particular, de acordo com seus interesses. Organizações como o
Intervozes e Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC)
defendem há muito tempo mudanças nas regras para as concessões de
radiodifusão, para que este seja um processo transparente, baseado na
observação do interesse público, no fomento à pluralidade e diversidade
de vozes na mídia. Qualquer outra coisa diferente disso, mesmo que seja
apenas uma ameaça, será mais um episódio de censura em nosso país.
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