Por Anna Beatriz Anjos e Jarid Arraes da Revista Fórum
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sábado, 21 de novembro de 2020
sexta-feira, 6 de dezembro de 2019
quarta-feira, 20 de novembro de 2019
Dia da Consciência Negra: quais locais comemoram a data?
Parece que muitas cidades e, inclusive unidades da federação, não comemoram a data como um feriado mesmo - que faça as pessoas não trabalharem, não irem às escolas por conta da importância da data. Uma pena esse fato, pois há sim muito racismo, etnocentrismo, discriminação racial, social e de classe - haja vista o número crescente de grupos neonazistas!
Abaixo os estados e capitais [e sua relação com ser feriado ou não]
ACRE - Não é feriado.
Rio Branco - Não é feriado.
ALAGOAS - É feriado estadual.
Maceió - É feriado.
AMAZONAS - É feriado.
Manaus - É feriado.
AMAPÁ - É feriado.
Macapá - É feriado.
BAHIA - Não é feriado estadual.
Salvador: É feriado.
CEARÁ - Não é feriado.
Fortaleza - Não é feriado.
DISTRITO FEDERAL - - Não é feriado.
ESPÍRITO SANTO - Não é feriado.
Vitória - Não é feriado.
GOIÁS - Não é feriado.
Goiânia- Não é feriado [lei municipal foi derrubada pela justiça].
MARANHÃO - Não é feriado [lei municipal foi derrubada pela justiça].
São Luís - É feriado.
MINAS GERAIS - Não é feriado.
Belo Horizonte- Não é feriado.
MATO GROSSO - É feriado estadual.
Cuiabá- É feriado.
MATO GROSSO DO SUL - Não é feriado.
Campo Grande - Não é feriado.
ESPÍRITO SANTO - Não é feriado.
Vitória - Não é feriado.
PARÁ - Não é feriado.
Belém - Não é feriado.
PARAÍBA - Não é feriado.
João Pessoa- Não é feriado.
PARANÁ- Não é feriado.
Curitiba- Não é feriado [lei municipal foi derrubada pela justiça].
PERNAMBUCO- Não é feriado.
Recife- Não é feriado.
PIAUÍ- Não é feriado.
Teresina- Não é feriado.
RIO DE JANEIRO- É feriado.
Rio de Janeiro- É feriado.
RIO GRANDE DO NORTE- Não é feriado.
Natal- Não é feriado.
RIO GRANDE DO SUL- Não é feriado.
Porto Alegre- Não é feriado.
RONDÔNIA- Não é feriado.
Porto Velho - Não é feriado.
RORAIMA - É feriado.
Boa Vista - É feriado.
SANTA CATARINA- Não é feriado.
Florianópolis - Não é feriado.
SÃO PAULO- Não é feriado.
São Paulo - É feriado.
SERGIPE- Não é feriado.
Aracaju- Não é feriado.
TOCANTINS - Não é feriado.
Palmas - Não é feriado.
sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017
Que Bloco é Esse ? Ilê Aiyê
Que Bloco é Esse ?
Ilê Aiyê
Compositor: Paulinho Camafeu
Que bloco é esse?
Eu quero saber,
É o mundo negro
Que viemos mostra prá você
Prá você
Somos criolo doido
Somos bem legal
Temos cabelo duro
Somos black power
Branco, se você soubesse
O valor que o preto tem,
Tu tomava um banho de piche, branco
E ficava preto também
Não te ensino minha malandragem
Nem tão pouco minha filosofia
Por quê?
Quem dá luz ao cego
É bengala branca
E santa luzia
Ai,ai meu Deus!
segunda-feira, 2 de novembro de 2015
A solidão tem cor - notícia da Revista Fórum discute relacionamento da mulher negra brasileira
No
último Censo, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE) em 2010, dados sobre a mulher negra brasileira
chamaram a atenção. O levantamento apontava que, à época, mais da metade
delas – 52,52% – não vivia em união, independentemente do estado civil
(veja os dados aqui).
O quadro
pincelado pelas estatísticas tem cores extremamente vivas para as
mulheres negras brasileiras, que, de acordo com inúmeros relatos, sentem
na pele os efeitos da solidão e do preterimento durante toda a vida. Há
anos o movimento feminista negro aborda essa pauta, mas ultimamente,
com a força das redes sociais, o debate tem se amplificado – sobretudo
no tocante aos relacionamentos heterossexuais – e causado polêmica.
A
discussão sobre afetividade da mulher negra extravasa os círculos de
militância: ao longo das décadas, diversos intelectuais tocaram nessa
questão em suas dissertações, teses e artigos, principalmente quando
tinham como objeto de estudo as relações interraciais no Brasil.
Exemplos são Thales de Azevedo, Florestan Fernandes, Elza Berquó, entre
outros.
Mais
recentemente, duas intelectuais negras têm se destacado na produção
acadêmica sobre o assunto. Em 2008, a socióloga e professora da
Universidade Estadual da Bahia (UNEB) Ana Cláudia Lemos Pacheco se
tornou doutora em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de
Campinas (Unicamp) com a tese Branca
para casar, mulata para f…., negra para trabalhar”: escolhas afetivas e
significados de solidão entre mulheres negras em Salvador, Bahia que, em 2013, foi convertida no livro Mulher negra: afetividade e solidão (Edufba).
No mesmo ano, Claudete Alves obteve o título de mestre em Ciências
Sociais pela Pontifícia Universidade de São Paulo (PUC-SP) com a
dissertação A solidão da mulher negra – sua subjetividade e seu preterimento pelo homem negro na cidade de São Paulo, que posteriormente se transformou no livro Virou Regra? (Scortecci, 2010). Ambas conversaram com a Fórum sobre seus trabalhos, os primeiros a focalizar a figura específica da mulher negra e a dar voz a ela.

Dados
do Censo de 2010 atestam: mais da metade das mulheres negras
brasileiras não vivem em união, independente do estado civil (Foto:
Reprodução/Facebook)
Solidão, uma questão histórica
Antes de
falar sobre a solidão da mulher negra é preciso, segundo Claudete Alves,
olhar para a solidão de seu grupo étnico, que se inicia quando ele é
“espoliado de seu habitat”, a África, e “destituído de seus meios de
produção e de seu próprio corpo enquanto transformador de matéria-prima,
de seus sentimentos e de seus afetos. Esse processo, que se configura
em uma diáspora negra imposta, denota que tal ocorrência, dolorosa e
traumática, afetou o caráter das relações sociais desse grupo social no
Brasil e do seu processo de identidade cultural”, escreve a autora em Virou Regra?.
“Ao me
debruçar sobre a historicidade da mulher negra, vejo que sua trajetória,
a partir da ruptura diaspórica africana até a contemporaneidade, foi
permeada pela solidão”, continua a cientista social em sua obra. No
decorrer do texto, ela estabelece uma intrincada relação entre o quadro
de solidão a que as protagonistas de seu estudo estão submetidas e o
processo de escravidão no Brasil.
De acordo
com Alves, as mulheres negras eram alforriadas antes dos homens, por
estes “serem considerados elementos essenciais à produção agrícola”.
“Essa condição excludente e de marginalização a que o homem negro foi
relegado imprime um novo contorno à configuração familiar existente,
fazendo surgir famílias matrifocais”, explica no livro. “Típicas do Novo
Mundo, ao contrário das famílias poligínicas da África, sua
característica básica é ser chefiada por mulheres, o que outorga ao
feminino a condição de centralidade e autoridade na assunção da
permanência e da guarda do lar, em contraposição à ausência definitiva
ou flutuante da figura paterna.”
Somado a
isso, observava-se, conforme Alves, ocorria “a existência de uma intensa
liberdade sexual na vida masculina”, de forma que os homens negros
mantinham outros relacionamentos além de seu casamento sem que houvesse
“perda de regalias ou prejuízo social”. “Encontramos, assim, mulheres
forras e livres, na sua grande maioria solitárias, muitas vezes mães
solteiras, como eixo central de seus lares e que, por não terem casado,
seja por escolha voluntária, seja por dificuldades sociais ou por
preterimento do parceiro, não vivenciaram uma condição de acesso social
ou de estabilidade amorosa”, completa, em Virou Regra?.
Gostos e escolhas são construções sociais
Os dados
obtidos pelo IBGE revelam que a situação de solidão ainda acomete as
mulheres negras, mais de um século após a abolição. Por que, ao longo
dos anos, o cenário não se modificou?
De acordo com a antropóloga Laura Moutinho, professora do Departamento de Antropologia da USP (Universidade de São Paulo), no artigo Discursos normativos e desejos eróticos: A Arena das Paixões e dos Conflitos entre “Negros” e “Brancos”,
nota-se “a existência de um padrão marital homogâmico na sociedade
brasileira; um percentual relativamente baixo de casamentos
‘interraciais’ e, nestes, a predominância do par homem ‘negro/mulher
‘branca’”.
Analisando-se
a afirmação de Moutinho, é possível concluir que, nas relações
interraciais, são as mulheres negras as mais frequentemente preteridas
pelos homens negros, que, conforme demonstra a antropóloga, subvertem a
regra do “padrão marital homogâmico” e se relacionam fora de seu grupo
étnico, com mulheres brancas. Isso também se comprova por números
do último Censo, que indicam: “homens pretos tenderam a escolher
mulheres pretas em menor percentual (39,9%) do que mulheres pretas em
relação a homens do mesmo grupo (50,3%)”.
Aspectos
demográficos podem representar um caminho para a compreensão desse
quadro. “Quando se pesquisa, desde Elza Berquó, o mercado matrimonial,
verifica-se que, no grupo branco, há um maior número de mulheres do que
de homens. Então, pode-se dizer que há uma ‘sobra’. No grupo negro não,
identifica-se um equilíbrio. Se não houvesse algum fato sociológico, não
se constataria essa solidão no grupo negro”, analisa Claudete Alves. “A
mulher branca, que é excedente em seu grupo, migra para o outro, e
pelos fatos históricos acaba disputando em condição muito vantajosa no
grupo em que há um equilíbrio.”
“Há uma
tendência, enfatizada por Berquó, de o excedente de mulheres ‘brancas’
se unir ao excedente de homens ‘pretos’ e ‘pardos’. Tal tendência
surpreende, pois ‘é de estranhar que justamente as mulheres pretas que
contam com um excedente de homens pretos, exatamente na faixa etária
mais favorável às uniões, acabem por ter menores chances de encontrar
parceiros para casar. Nossa hipótese é de que o excedente de mulheres
brancas na população deve levá-las a competir, com sucesso, com as
pardas e pretas, no mercado matrimonial’”, escreve Moutinho em seu
artigo.
O
preterimento da mulher negra pelo homem negro é elemento frequente nas
falas das personagens entrevistadas por Ana Cláudia Lemos Pacheco para
sua tese de Doutorado. A socióloga ouviu, ao todo, 25 mulheres negras em Salvador, doze ativistas e treze não ativistas, todas pertencentes a setores da classe média
e populares. Para realizar a análise de suas trajetórias sociais,
selecionou dez – cinco ativistas e cinco não ativistas. “Eu diria que o
triângulo que emergiu e foi muito recorrente nas narrativas das mulheres
investigadas foi o formado por mulher negra, homem negro e mulher
branca. Sobre homem branco pouco se falou, muito pouco, uma [vez] ou outra.”
“A
rejeição é muito mais doída quando vem dos seus iguais; a mulher negra
quer ser amada, ser feliz”, aponta a socióloga Eliane Oliveira,
feminista, professora e pesquisadora do Núcleo de Estudos
Interdisciplinares Afro-Brasileiros (NEIAB) da Universidade Estadual de
Maringá (UEM). “Penso que o homem negro precisa desconstruir o racismo
não só no discurso, mas também nas suas práticas.”
A
situação de vantagem em que a mulher branca se encontra em relação à
negra no mercado matrimonial, sobretudo em relação aos homens pardos e
negros, é evidente. “Isso é uma pista segura de que há a interferência
social e histórica que termina também sendo um dos fatores que tira,
para além de todos os outros direitos da mulher negra, o direito ao
amor”, destaca Alves.

Segundo pesquisadoras, no mercado matrimonial, a mulher branca tem vantagem sobre a negra (Foto: Divulgação)
Para
Pacheco, uma série de fatores contribui para que as mulheres negras
sejam preteridas pelo homem negro. Eles estão, em sua maioria,
conectados a aspectos históricos e culturais que habitam nossa
sociedade. “Em nosso imaginário cultural, as características raciais e
fenotípicas da mulher negra – considerando a cor da pele, as
características do cabelo, a estética – estão o tempo todo associadas a
estereótipos negativos”, avalia a socióloga. “Essas representações estão
vinculadas não apenas ao imaginário social mais geral, mas também ao
imaginário acadêmico, literário. Na música, nas imagens socialmente
produzidas, o que sempre se destacou [em relação à mulher negra]
são essas características, relacionadas a um comportamento sexualizado,
quase que servil – e isso é a reprodução de uma concepção bem colonial,
quase que a imagem reproduzida da mulher escravizada, que estaria,
portanto, para servir ao outro, ao senhor. E a outra representação é a
do trabalho, de como a mulher negra seria ‘pau para toda obra’, seria
boa para o trabalho servil e doméstico, e não seria uma mulher com
desejos, com possibilidades de construir uma afetividade, de ter
projetos pessoais, familiares, de uma mulher que tenha a capacidade de
pensar.”
A
historiadora Karla Alves, ativista negra do grupo de Mulheres Negras do
Cariri – Pretas Simoa, conta que a solidão afetiva apenas agravou os
efeitos do racismo sobre sua autoestima, algo que sente desde criança,
quando era discriminada pelos colegas do colégio e não encontrava, nem
nos meios tradicionais de cultura,
tampouco
nos conteúdos escolares, referências negras positivas e legítimas.
“Isso provocou um estigma ainda pior: a solidão existencial que, naquele
momento, não me deixava contar nem comigo mesma”, diz. “A solidão da
mulher negra é, portanto, parte indissociável da formação da nossa
identidade que o racismo nos impõe. Durante a juventude e vida adulta
esta solidão é alimentada pelo desprezo daqueles com quem almejamos
estabelecer um relacionamento amoroso, já que passamos a ser vistas
somente pelo nosso sexo expropriado e hipersexualizado, principalmente
através da mídia.”
Em
contrapartida, a imagem da mulher branca, segundo Pacheco, está
vinculada a “um comportamento mais condizente com uma expectativa de
gênero mais tradicional, aquela que seria ideal para casar, para se
manter um relacionamento, para ser mãe, enquanto a mulher negra não
caberia nessa representação.” Tal privilégio tem nítida ligação com o
padrão de beleza branco difundido como ideal em nossa sociedade, e que
não apenas não contempla como marginaliza as características estéticas
negras. Sob esse prisma, pode-se dizer que a mulher negra sofre
opressões somadas: machismo e racismo.
Estudiosos
das relações interraciais no Brasil desde os anos de 1930 discutem
também o casamento entre homens negros e mulheres brancas como
estratégia de mobilidade social. “(…) a mulher, além de propiciar um
dado acesso social ao homem negro, funcionaria como uma possibilidade de
escamoteamento de seu padrão fenotípico, conferindo invisibilidade à
sua cor”, considera Alves em Virou Regra?. De acordo com a
autora, um dos principais méritos de seu trabalho é ter provado que essa
prática não ocorre apenas com homens negros que já ascenderam
socialmente, como consequência desse movimento – a exemplo dos jogadores
de futebol negros, que famosos e endinheirados, frequentemente
constituem família com mulheres brancas –, mas se dá em praticamente
todos os estratos sociais. Para comprovar essa tese, a pesquisadora
visitou diversos espaços da cidade de São Paulo, nas periferias e no
centro – teatros, casas de espetáculos, supermercados, maternidades,
entre outros – e observou a proporção de casais inter e intraraciais
nesses locais.
Diante
desses símbolos tão fortes e difundidos em nossa sociedade, é impossível
dizer que escolhas do campo afetivo e sexual sejam mera questão de
gosto pessoal, plenamente desconectado do universo social em que o
indivíduo está inserido. “Na relação com o outro, o desejo de
envolvimento afetivo em busca do prazer é permeado pelos valores e
ideais estabelecidos pelo contexto social. A manifestação do desejo e o
estabelecimento ou não de vínculos amorosos são também determinados por
concepções advindas de uma visão machista e racista”, atesta a
professora da Universidade Federal da Bahia (UFBA) Elisabete Aperecida
Pinto, em sua tese de Doutorado Sexualidade na identidade da mulher negra a partir da diáspora africana: o caso do Brasil.
“É o que
Sueli Carneiro já falou: nós, feministas negras, não estamos querendo
controlar o relacionamento de ninguém. Nós queremos problematizar,
porque é algo que tem nos atingido”, argumenta Pacheco. “O racismo é uma
ideologia, uma crença que exclui. E não exclui só do mercado de
trabalho, da educação, do campo do poder político; essas exclusões
influenciam muito na hora da escolha [afetiva].”
“Sinto
uma falta enorme de negros famosos que tenham uma defesa da causa negra
nos espaços que ocupam na mídia. Mesmo no caso daqueles que fazem de seu
trabalho uma forma de levantar nossa bandeira, percebo que na prática
as coisas ainda se voltam para o previsível, ou seja, cedem ao padrão
social de ter uma loira do lado”, observa Eliane Oiveira. “Muitos podem
dizer que é uma questão de gosto, mas nós somos socialmente moldados,
dessa forma, nosso gosto não é isento de manipulação ou imposição do que
é belo, bom, seguro e desejável. Ora, se sofremos ainda hoje com a
herança escravagista de que negra é para cama e não para o casamento,
como pensar que o homem negro também não reproduz esse tipo de
pensamento sobre ela quando o que mais vemos são eles se casando com as
brancas?”, questiona.
Embora a
palavra “solidão” seja normalmente associada a sentidos negativos, a
professora da UNEB conta que, nos depoimentos que colheu, o termo foi
sendo ressignificado – as mulheres negras, como protagonistas de sua
própria história, transformaram sua dor em força. “O sentimento de
solidão se traduziu em sofrimento, choro, desilusões amorosas e
decepções. Mas, apesar desses processos de exclusão social,
discriminação étnica e social, essas mulheres se empoderaram, muitas
delas superaram desigualdades fundamentais – a questão da sobrevivência,
por exemplo, social e econômica –, tornando-se chefes de família,
criando seus filhos sozinhas e sem parceiros”, relata. “Há mulheres que
se tornaram grandes lideranças do movimento social negro e alcançaram
prestígio a ponto de se transformarem em lideranças de grande expressão
nacional e internacional e ocupar grandes cargos políticos dentro da
sociedade brasileira. E há mulheres que, por outro lado, se empoderaram
através do trabalho, da ascensão social e de uma percepção com relação a
essas desigualdades.”

Contra
a imposição do padrão de beleza branco e pela valorização da estética
negra, mulheres negras realizaram, em julho, a Marcha do Orgulho Crespo
(Foto: Marcha do Orgulho Crespo 2015)
Consequências psicológicas
O
preterimento e a solidão afetiva que atingem as mulheres negras podem
causar a elas grande sofrimento psicológico e, por serem baseadas em
valores racistas, podem gerar ainda o adoecimento físico. É o que
explica a psicóloga Maitê Lourenço, também neuropsicóloga pelo Centro de
Diagnóstico Neuropsicológico da Universidade Federal de São Paulo
(Unifesp) e colaboradora do Grupo de Trabalho de Psicologia e Relações
Raciais do Conselho Regional de Psicologia de São Paulo. “Dentro do
processo cognitivo, palavras, gestos e ações são captados e processados
pelo cérebro, formando assim a concepção daquela mulher sobre si mesma
de uma forma deturpada”, avalia. Ela salienta que o quadro não se limita
às mulheres heterossexuais – lésbicas e bissexuais também enfrentam
esse fenômeno social, bem como as transexuais.
Segundo a
neuropsicóloga, adjetivos pejorativos, como “feia”, “macaca” ou frases
ditas por familiares, colegas e outras pessoas como “ninguém vai te
querer assim” fazem parte do contexto diário das mulheres negras,
gerando sentimentos de menos valia, baixa autoestima e introspecção. Com
isso, pela violência do racismo, há possibilidade de que a depressão,
ansiedade e outras doenças crônicas, como asma e fibromialgia, acometam
essas mulheres.
“A
humilhação social também é um dos sofrimentos psíquicos causados pela
solidão da mulher negra”, pontua Lourenço. “Essa mulher sente-se
humilhada por perceber que não corresponde ao que é esperado para sua
idade, classe social, escolaridade e ambiente familiar. Timidez
excessiva, irritabilidade, ansiedade intensa, hipertensão, depressão,
obesidade, uso abusivo de álcool e outras drogas também são
consequências, dentre muitas outras, do processo vivido por estas
mulheres”, destaca.
Clélia
Prestes, mestre e doutoranda em Psicologia Social pela USP e psicóloga
do Instituto AMMA Psiquê e Negritude, também discorre sobre as
implicações que a solidão afetiva pode acarretar para a autoestima das
mulheres negras. “Desde o nascimento e ao longo do processo identitário,
a autoestima é influenciada pelos referenciais coletivos de beleza, nos
quais as mulheres negras praticamente não estão representadas, apesar
da maioria da população brasileira ser negra. Como resultado, no
imaginário social e em concepções pessoais, pensamentos e sentimentos
que tratam a diversidade com hierarquia de valores, prejudicando
drasticamente a forma como mulheres negras são vistas e,
consequentemente, sua autoestima e relações afetivas.”
Em sua
atuação profissional, Maitê Lourenço atende mulheres que relatam o quão
difícil é o estado de solidão, pois muitas vivem suas vidas inteiras de
maneira solitária. “No passado não muito distante de muitas famílias,
assim como a minha, essas mulheres permaneceram cuidando das famílias de
outras mulheres – brancas – que tinham em seus lares maridos e filhos. E
por causa do machismo, patriarcado e do capitalismo, essas mulheres
tiveram que ficar distantes de seus familiares por morarem nas casas
onde trabalhavam, privando-as assim de também de construir seus lares e
manter maior contato com outras pessoas, já que não puderam estudar,
viajar e etc”, ressalta.
De acordo
com a psicóloga, a necessidade de fugir desse quadro social e evitar
uma vida solitária também torna as mulheres negras vulneráveis a
relacionamentos abusivos. “A própria violência doméstica também pode
fazer parte das estatísticas para pontuar o que acontece com as mulheres
negras, pois muitas acabam se submetendo a relacionamentos abusivos
para não permanecerem sós.”
No
entendimento de Clélia Prestes, embora tantas pessoas sofram com as
consequências do racismo, a “psicologia tem sido omissa e conivente” com
relação a ele, “na medida em que não o enfrenta”. “Ao desconsiderar os
marcadores sociais da diferença como raça, gênero, orientação sexual,
geração, classe, entre outros, trata como universal seres que são
diversos, desconsiderando suas especificidades e impondo de forma
hegemônica características particulares de grupos dominantes.”
Para
Lourenço, a mídia tem uma grande responsabilidade na perpetuação dos
estigmas advindos de concepções racistas. “Venho acompanhando alguns
comerciais, novelas e séries brasileiras e o que mais se vê são mulheres
negras em funções subalternas e, quando há núcleo familiar para ela, há
no máximo filhos, a mãe dessa mulher ou um irmão. O fato da mulher
negra ser representada desta forma impacta também na identificação de
meninas, mulheres e das outras pessoas de que a mulher negra tem somente
esse lugar a ocupar, gerando assim sofrimento psíquico e mais
obstáculos, que arduamente as mulheres negras vêm tratando de transpor”.
Embora
a solidão afetiva tenha, muitas vezes, consequências devastadoras para a
vida das mulheres negras brasileiras, Prestes destaca que elas “não
ficam apenas expostas passivamente a quadros de vulnerabilidade e
solidão, mas, enquanto reagem às adversidades e resistem às opressões,
acabam se fortalecendo individual e coletivamente”. “Em minha clínica,
nas atuações pelo Instituto AMMA Psique e Negritude, no ativismo
(movimento negro e feminismo negro) e na pesquisa, pude observar a
importância da identificação positiva e das redes de mulheres negras
para diminuir os efeitos e mudar o quadro de solidão, potencializando
processos de resistência, superação e resiliência”, conta.
(Ilustração de capa: Monica Stewart)
Amor Afrocentrado
Luh
Souza é conhecida nas redes por sua atuação contra o racismo e por ser
fundadora e moderadora do grupo “Amor Afrocentrado” no Facebook, onde
homens e mulheres negras se reúnem para discutir questões relacionadas
ao racismo, aos relacionamentos afetivos e, caso exista a oportunidade,
encontrar pares com quem possam construir relações românticas.
O
termo “Amor Afrocentrado”, que se refere aos relacionamentos entre
pessoas negras, é usado há muitos anos, quando Souza começou a discutir o
tema da solidão da mulher negra com amigos e companheiros de militância
– logo seus debates deram continuidade em outra rede social, o Orkut,
ainda em 2009.
O
grupo do Facebook começou como um facilitador de encontros, pois Luh
Souza ouvia amigos se queixando de que não conseguiam encontrar outras
pessoas negras com quem pudessem se relacionar. “Então pensei: preciso
fazer um ponto em que os solteiros possam se encontrar e vamos
discutindo juntos nossos problemas”, relata. Até o número que contou, o
grupo teve como resultado a quantidade de 60 casais, entre eles 3 se
casaram e algumas crianças nasceram dessas uniões.
A
intenção do grupo era discutir o assunto exclusivamente entre pessoas
negras, como um debate interno; para Luh Souza, uma medida em parte para
evitar polêmicas e acusações de “racismo inverso”, mas também como
resultado do desinteresse de pessoas brancas. Segundo Souza, o debate,
que tem mais de uma década de proposta, sempre tentou fazer com que os
homens negros refletissem sobre o companheirismo e presença das mulheres
negras em suas vidas, seja como mães, irmãs e avós, ou como
companheiras que sempre enfrentaram o racismo e as consequências da
discriminação racial lado a lado contra os homens negros. “Se fossem pra
cadeia, estivessem internados ou na escola e até mesmo no caixão, quem
sofre e derruba lágrimas são as mulheres ali. E quando cresciam, por que
se recusavam amar uma mulher negra? Por que eles não podiam ser
românticos com ela? Quando a gente consegue colocar essas questões todas
juntas na cabeça deles, há uma transformação”, relata Souza.
Mas
apesar da boa vontade e do trabalho totalmente voluntário, discutir
sobre a solidão da mulher negra e tentar promover relacionamentos
afrocentrados não foi uma prática fácil. “Claro que apareceram os homens
pilantras tentando enganar as irmãs, casados, mas sempre que eu soube,
tirei do grupo, bloqueei”, afirma. Depois de alguns desentimentos e
preocupações, Souza decidiu não mais moderar o grupo, deu-se por
satisfeita com os objetivos alcançados e passou a orientar os
integrantes para que tivessem cuidado e responsabilidade ao conhecerem
novas pessoas.
Mas
os desafios que surgiram não são apenas aqueles que envolvem qualquer
relacionamento humano: as polêmicas em torno do assunto passaram a
crescer à medida que o tema ganhou visibilidade na internet.
Luh
Souza interpreta esse quadro de polêmicas crescentes como um erro
estratégico. Para ela, o tema da solidão da mulher negra deveria ser um
debate restrito aos grupos que militam contra o racismo. “É desgastante
ter de debater racismo com ‘não negros’ e igualmente desgastante debater
solidão da mulher preta abertamente. Veja que eles estão pegando isso
pra nos atacar, difamar pela rede, sendo que eles sabem que se casam
entre brancos em sua maioria, só que para eles isso é normal. Agora, se
formos levantar a questão, aí acusam-nos de racismo inverso. Um exemplo:
quantos jogadores de futebol ou artistas brancos são casados com
mulheres negras? Se o amor não tem cor…”, provoca.
No
entanto, Souza faz questão de frisar que a crítica não é contra os
relacionamentos interraciais em si. “O amor interracial vai existir
sempre”, pontua. “O que discutimos é o racismo embutido em forma de
relacionamentos amorosos. Se existe o amor entre as pessoas, por que
existe o recorte racial dentro desse suposto amor? Qual a causa das
mulheres brancas terem duas opções? Veja que o recorte racial existe até
dentro de relações homoafetivas onde uma pessoa branca tem mais chances
de encontrar seu amor do que pessoas negras”, questiona.
“Então
a discussão não é, e nunca deverá ser, contra a miscigenação, mas
contra a regra imposta pela Teoria do Branqueamento em que mulheres
negras não merecem ser amadas, já que ela é preterida por todas as
etnias”, declara. De acordo com Luh Souza, mesmo mulheres negras
consideradas belas e inteligentes reclamam que são preteridas. “Há algo
muito errado, muito mesmo. No fundo, a frase ‘amor não tem cor’ é igual a
‘somos todos iguais’. A palavra certa seria ‘amor’ somente. Se a
sociedade precisou complementar a palavra ‘amor’ com a frase ‘não tem
cor’ é porque precisam se justificar e, se precisam se justificar, é
porque existe um problema aí que ninguém quer saber de rever, discutir.
Inventam uma frase poética pra se conformar com ela e não resolver o que
é preciso, igualmente ao ‘todos somos iguais’. Pronto, de posse da
poesia contida nas frases, que se dane o resto. Vamos viver em um padrão
sem respeitar o grito de quem está sendo excluído dentro da sociedade
por ser diferente”, protesta Souza.
Para
ela, o assunto precisa ser debatido e o desequilíbrio mostrado pelas
estatísticas deve ser questionado. “Mas, uma vez que os homens já
fizeram suas escolhas, estão casados com brancas e têm até filhos, não
podemos interferir”, afirma.
Veja mais no portal: http://www.revistaforum.com.br/semanal/a-solidao-tem-cor/
quinta-feira, 27 de novembro de 2014
Disturbios Raciais nos EUA
11/17 de agosto 1965: Watts - Los Angeles. A detenção
por policiais brancos do jovem negro Marquette Frye, durante uma
operação na estrada provoca uma revolta no gueto de Watts, em Los
Angeles. Durante seis dias, esse bairro da periferia se transforma em
uma zona de guerra, onde os guardas nacionais realizam patrulhas em
jipes, armados com metralhadoras. É declarado toque de recolher. O saldo
é dramático: 34 mortos, muitos feridos, 4.000 detidos e danos estimados
em mais de US$ 40 milhões.
12/17 de julho 1967: Newark - Nova Jersey. Uma briga
entre dois policiais brancos e um taxista negro desencadeia uma revolta
no gueto de Newark. A violência dura cinco dias com um registro de 26
mortos e 1.500 feridos.
23/28 de julho 1967: Detroit - Michigan. Distúrbios
eclodem em Detroit após uma intervenção policial na rua 12, de maioria
negra. Guardas nacionais e militares são mobilizados. Os confrontos
deixam 43 mortos e mais de 2.000 feridos. Os distúrbios se estendem para
vários estados, entre eles Illinois, Carolina do Norte, Tennessee e
Maryland. Ao longo de 1967, 83 pessoas morrem em episódios de violência
racial em 128 cidades.
4/11 de abril 1968: Após o assassinato do pastor
Martin Luther King em Memphis (Tennessee) em 4 de abril, a violência se
espalha por 125 cidades dos Estados Unidos, deixando pelo menos 46
mortos e 2.600 feridos. Em Washington - onde dois terços da população é
negra - são registrados incêndios intencionais e saques. Um dia depois,
as desordens se estendem para o centro da cidade e chegam a 500 metros
da Casa Branca. O presidente Lyndon B. Johnson recorre à 82ª Divisão
Aerotransportada do Exército para controlar a situação.
17/20 de maio 1980: Liberty City - Miami. Três dias de
revolta deixam 18 mortos e mais de 400 feridos no bairro negro de
Liberty City, em Miami (Flórida). A violência eclodiu após a absolvição
em Tampa de quatro policiais brancos acusados de espancar até a morte um
motociclista negro que havia furado um sinal vermelho.
30 de abril/1º de maio 1992: Los Angeles. A absolvição
de quatro policiais brancos que no dia 3 de março de 1992 haviam matado
um motorista negro, Rodney King, incendeia a cidade de Los Angeles. A
violência se propaga para São Francisco, Las Vegas, Atlanta e Nova York,
deixando 59 mortos e 2.328 feridos.
9 de abril 2001: Cincinnati - Ohio. Um policial branco
mata um jovem negro de 19 anos, Timothy Thomas, durante uma perseguição
em Cincinnati. Seguem-se quatro dias de violência durante os quais 70
pessoas ficam feridas. Timothy Thomas, que não estava armado, foi o
décimo quinto negro abatido pela polícia desde 1995.
9/19 agosto 2014: Ferguson - Missouri. A morte do
jovem negro Michael Brown, de 18 anos, baleado por um policial provoca
dez dias de violência em meio à população negra e às forças de
segurança, que utilizam fuzis e veículos blindados. No dia 24 de
novembro, ocorrem novos distúrbios em Ferguson após o anúncio do
abandono das acusações contra o policial.
quinta-feira, 16 de outubro de 2014
A invisibilidade das Comunidades Quilombolas de Mato Grosso do Sul
Por Nayhara Almeida de
Sousa
do GERAA
Atualmente o que a
maioria das pessoas entende por comunidade quilombola está muito distante da
realidade. O que é usualmente entendido por comunidade remanescente quilombola se
remete à definição utilizada no período colonial brasileiro, mais exatamente àquela do século XVIII, para a qual quilombo
era “toda a habitação de negros fugidos que passem de cinco, em parte
despovoada ainda que não tenham ranchos levantados nem se achem pilões neles” (MOURA,
1981: p.16). E no estado de Mato Grosso do Sul
não seria diferente, apesar de ter mais de 21 comunidades reconhecidas pela
Fundação Cultural Palmares, ainda não tem avanços significativos na questão de
reconhecimento das comunidades quilombolas como grupos sociais e, portanto, com
direitos.
Com a publicação do
decreto de 4.887/2003 temos a regularização de todo o procedimento que efetiva a titulação das
terras, além de uma redefinição do conceito de comunidade quilombola,
diferenciando-se daquela antiga que era marcada pela colonização, e passando
agora a ser compreendida através da auto determinação dos povos. Conforme o artigo
2º do Decreto,
consideram-se
remanescentes das comunidades dos quilombos, para fins deste Decreto, os grupos
étnico-raciais, seguindo critérios de autoafirmação, com a trajetória histórica
própria, dotados de relações territoriais especificas, com presunção de
ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão histórica sofrida
(BRASIL, 2008).
Retomando o histórico
sobre o assunto, em 1988 foi reconhecido pela Constituição Brasileira o direito
de propriedade definitiva das terras ocupadas por remanescentes quilombolas, através
do artigo 68 do Ato das Disposições Transitórias: “Aos remanescentes das
comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a
propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos.”
(BRASIL, 2008). O reconhecimento de propriedade das terras quilombolas pela
Constituição de 1988 não foi suficiente para a efetiva regularização desses
territórios, e contestações contrárias às titulações eram fundamentadas na
falta de regulamentação no processo de demarcação e titulação dessas terras.
Mas, foi com a
publicação do decreto 4.887, no dia 20 de novembro de 2003 se estabeleceu a
forma de como proceder à demarcação e titulação do território quilombola. Da
década de 1980 até 2003 se desenrolaram anos de silêncio quanto a este assunto
e, apesar de haver milhares de comunidades espalhadas pelos estados
brasileiros, ainda há a impressão de inexistência ou de distancia das
comunidades, o que remete muitas pessoas à noção de quilombo do período
colonial.
Vários grupos
contrários aos direitos adquiridos pelas comunidades se manifestaram. O partido
Democratas (DEM) ajuizou em 2004 uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIn) no Supremo Tribunal Federal pela publicação do
decreto 4.887. A ADIn é contrária ao critério de autoatribuição para a
identificação das comunidades remanescentes quilombolas, e o caso ainda aguarda
julgamento.
De acordo com Santos (2010),
o ano de 2007 ficou marcado pelo aumento dos conflitos no estado do Mato Grosso
do Sul entre as comunidades rurais quilombolas e
o Governo do Estado, Sindicato Rural de Dourados; as Prefeituras Municipais de
Nioaque, Dourados e Sonora; grandes proprietários de terras; e a Federação da
Agricultura e Pecuária de Mato Grosso do Sul (FAMASUL). [1]
A partir da definição
ultrapassada sobre o que é uma comunidade remanescente quilombola, criou-se uma
situação constrangedora para o Instituto Histórico Geográfico de Mato Grosso do
Sul (IHG-MS), que reforçou ainda mais a posição contrária ao reconhecimento das
comunidades quilombolas no estado de MS. Em 2008 o então presidente do IHS-MG
Hildebrando Campestrini exalou um parecer negando a existência de qualquer
formação de comunidades quilombolas no estado de Mato Grosso do Sul. O parecer
dizia o seguinte:
Considerando que o sul de Mato Grosso despontou no
cenário econômico brasileiro como área de produção pecuária, após as décadas de
1830/1840, quando a escravidão já se encontrava em processo gradativo de
desarticulação; Considerando que o território hoje sul-mato-grossense se
encontrava fora da rota de fuga dos escravos egressos dos centros econômicos
mais significativos à época do regime escravista (SP, MG e região norte de MT);
Considerando que havia, no último quartel do século XIX, forte empenho de
líderes pela libertação de escravos, a exemplo das Juntas de Emancipação nas
principais vilas e cidades do sul de Mato Grosso, com resultados positivos;
Considerando que, sobretudo após a Guerra da Tríplice Aliança, o número de
escravos no sul de Mato Grosso era de reduzido significado; Considerando que
não há documentos, nem ao menos indícios, que provem a existência, no atual
Mato Grosso do Sul, de quilombos, mesmo que tardios. Manifestam-se, por
unanimidade, no sentido de não reconhecer a presença de quaisquer núcleos
quilombolas remanescentes em nosso Estado. Campo Grande, 10 de setembro de 2008.
Hildebrando Campestrini – Presidente (SANTOS, 2010: p.20).
Como
é perceptível no Parecer Quilombola do IGH-MS, a visão sobre as comunidades
está presa em um passado colonial, como algo exótico, perdido e afastado da
noção de cidadão brasileiro. O parecer ganhou destaque na mídia local e teve
ampla recepção pelos produtores agropecuários, sendo largamente difundido pela
FAMASUL através da circular nº 041/2009, ao Secretário da Secretaria de Estado
de Meio Ambiente, das Cidades, do Planejamento, da Ciência e Tecnologia/SEMAC. Em
seu ofício a FAMASUL afirma a não existência de remanescentes quilombolas no
Mato Grosso do Sul.
O
Parecer Quilombola produzido pelo IHG-MS encara comunidades remanescentes como
aquele conceito da época imperial e deixa de perceber como bem lembra Amaral
Filho (2011) que os remanescentes de quilombolas surgem recriando um processo
identitário e não o repetindo. Recriando seus laços com a África, “eles passam
a se comportar no Pós-Colonial diaspórico como um grupo multicultural miscigenado
diferente de sua noção clássica” (AMARAL FILHO, 2011).
A
colonização, apesar de um processo extinto oficialmente, permanece enraizada
nos dias atuais, como fator excludente e marginalizador de determinados grupos
sociais. No caso de Mato Grosso do Sul, essa situação é facilmente identificada
quando se trata da garantia de direitos das populações indígenas e comunidades
quilombolas.
No
discurso da mestiçagem, baseado na ideia de um Brasil mestiço, onde o moreno é
o termo ideal de representação da população afro-brasileira, o termo negro deixa
de ser mencionado de forma positiva pela sociedade brasileira, pois a ideia mitológica
de democracia racial encontra suas bases no moreno. A troca de um termo por
outro não significou um tratamento respeitoso para a população negra, sua
história e suas memórias, e não resultou numa equidade nas oportunidades entre
todos no Brasil. Antes disso, a criação de um discurso de democracia racial
“contribuiu” para que se afundasse no silenciamento o racismo vivenciado no
Brasil, fortalecendo um discurso hipócrita e controverso.
É
importante entender porque é tão popular a utilização do termo moreno, quando
se refere à população afro-brasileira.
Uma breve análise na história de formação da identidade nacional, (ORTIZ,
2003) é possível perceber como foi a movimentação dos grandes intelectuais e
dirigentes nacionais para a formulação de teorias e projetos sobre um modelo
nação brasileira. Este modelo de nação era pensado para o futuro, um futuro que
através da miscigenação racial, se tornaria branco.
Mato
Grosso do Sul não fugiu aos moldes nacionais quanto à formação de uma identidade
regional baseada na falsa ideia de democracia racial e de branquidade. Este
modelo foi refletindo diretamente na invisibilidade dos remanescentes
quilombolas do Estado. Um exemplo, Campo Grande, que é conhecida como a cidade
morena, não possui menção alguma sobre a vida de camponeses e nem de
escravizados, em nenhum dos seus 14 museus (Santos, 2010: p. 31).
Não é possível que atualmente, dirigentes e
intelectuais ainda expressem noções sobre o que é ser remanescente quilombola
baseados em conceituações cristalizadas em um passado colonial. A ideia sobre ser
quilombola hoje ultrapassa a noção colonial e se aproxima muito mais de uma
ressignificação do caráter multicultural do quilombo surgido no território africano,
mas muito diferente da conceituação de quilombo feita pelo colonizador. E ainda,
não é possível permitir, que ideias como a do Parecer Quilombola, após a
criminalização do racismo em 1988, sejam formas de propagação de racismo sutil
através da negação da existência de comunidades quilombolas no estado.
A
afirmação do Parecer demonstra muito dos aspectos da invisibilidade social e
econômica da população negra brasileira. A população quilombola faz uso de
terras reconhecidas como patrimônio histórico pelo Estado Brasileiro, compartilhando
valores comuns, parentesco, práticas culturais. Devemos ultrapassar esse
entendimento vindo do período colonial que prejudica a existência e garantia de
direitos civis, econômicos, sociais e culturais
das comunidades remanescentes quilombolas no Brasil.
Referências
Bibliográficas
AMARAL
FILHO, N. C. Mídia e Quilombos na Amazônia. Relações Raciais no Brasil:
pesquisas contemporâneas. Org. Valter Roberto Silvério, Regina Pahim Pinto,
Fúlvia Rosemberg. São Paulo: Contexto, 2011.
SANTOS,
C. A. B. P dos. Fiéis descendentes redes-irmandades no pós-abolição entre as
comunidades negras rurais sul-mato-grossenses. Tese de Doutorado em
Antropologia Social. UNB, Brasília, 2010.
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