Por Anna Beatriz Anjos e Jarid Arraes da Revista Fórum
Amor Afrocentrado
Luh
Souza é conhecida nas redes por sua atuação contra o racismo e por ser
fundadora e moderadora do grupo “Amor Afrocentrado” no Facebook, onde
homens e mulheres negras se reúnem para discutir questões relacionadas
ao racismo, aos relacionamentos afetivos e, caso exista a oportunidade,
encontrar pares com quem possam construir relações românticas.
O
termo “Amor Afrocentrado”, que se refere aos relacionamentos entre
pessoas negras, é usado há muitos anos, quando Souza começou a discutir o
tema da solidão da mulher negra com amigos e companheiros de militância
– logo seus debates deram continuidade em outra rede social, o Orkut,
ainda em 2009.
O
grupo do Facebook começou como um facilitador de encontros, pois Luh
Souza ouvia amigos se queixando de que não conseguiam encontrar outras
pessoas negras com quem pudessem se relacionar. “Então pensei: preciso
fazer um ponto em que os solteiros possam se encontrar e vamos
discutindo juntos nossos problemas”, relata. Até o número que contou, o
grupo teve como resultado a quantidade de 60 casais, entre eles 3 se
casaram e algumas crianças nasceram dessas uniões.
A
intenção do grupo era discutir o assunto exclusivamente entre pessoas
negras, como um debate interno; para Luh Souza, uma medida em parte para
evitar polêmicas e acusações de “racismo inverso”, mas também como
resultado do desinteresse de pessoas brancas. Segundo Souza, o debate,
que tem mais de uma década de proposta, sempre tentou fazer com que os
homens negros refletissem sobre o companheirismo e presença das mulheres
negras em suas vidas, seja como mães, irmãs e avós, ou como
companheiras que sempre enfrentaram o racismo e as consequências da
discriminação racial lado a lado contra os homens negros. “Se fossem pra
cadeia, estivessem internados ou na escola e até mesmo no caixão, quem
sofre e derruba lágrimas são as mulheres ali. E quando cresciam, por que
se recusavam amar uma mulher negra? Por que eles não podiam ser
românticos com ela? Quando a gente consegue colocar essas questões todas
juntas na cabeça deles, há uma transformação”, relata Souza.
Mas
apesar da boa vontade e do trabalho totalmente voluntário, discutir
sobre a solidão da mulher negra e tentar promover relacionamentos
afrocentrados não foi uma prática fácil. “Claro que apareceram os homens
pilantras tentando enganar as irmãs, casados, mas sempre que eu soube,
tirei do grupo, bloqueei”, afirma. Depois de alguns desentimentos e
preocupações, Souza decidiu não mais moderar o grupo, deu-se por
satisfeita com os objetivos alcançados e passou a orientar os
integrantes para que tivessem cuidado e responsabilidade ao conhecerem
novas pessoas.
Mas
os desafios que surgiram não são apenas aqueles que envolvem qualquer
relacionamento humano: as polêmicas em torno do assunto passaram a
crescer à medida que o tema ganhou visibilidade na internet.
Luh
Souza interpreta esse quadro de polêmicas crescentes como um erro
estratégico. Para ela, o tema da solidão da mulher negra deveria ser um
debate restrito aos grupos que militam contra o racismo. “É desgastante
ter de debater racismo com ‘não negros’ e igualmente desgastante debater
solidão da mulher preta abertamente. Veja que eles estão pegando isso
pra nos atacar, difamar pela rede, sendo que eles sabem que se casam
entre brancos em sua maioria, só que para eles isso é normal. Agora, se
formos levantar a questão, aí acusam-nos de racismo inverso. Um exemplo:
quantos jogadores de futebol ou artistas brancos são casados com
mulheres negras? Se o amor não tem cor…”, provoca.
No
entanto, Souza faz questão de frisar que a crítica não é contra os
relacionamentos interraciais em si. “O amor interracial vai existir
sempre”, pontua. “O que discutimos é o racismo embutido em forma de
relacionamentos amorosos. Se existe o amor entre as pessoas, por que
existe o recorte racial dentro desse suposto amor? Qual a causa das
mulheres brancas terem duas opções? Veja que o recorte racial existe até
dentro de relações homoafetivas onde uma pessoa branca tem mais chances
de encontrar seu amor do que pessoas negras”, questiona.
“Então
a discussão não é, e nunca deverá ser, contra a miscigenação, mas
contra a regra imposta pela Teoria do Branqueamento em que mulheres
negras não merecem ser amadas, já que ela é preterida por todas as
etnias”, declara. De acordo com Luh Souza, mesmo mulheres negras
consideradas belas e inteligentes reclamam que são preteridas. “Há algo
muito errado, muito mesmo. No fundo, a frase ‘amor não tem cor’ é igual a
‘somos todos iguais’. A palavra certa seria ‘amor’ somente. Se a
sociedade precisou complementar a palavra ‘amor’ com a frase ‘não tem
cor’ é porque precisam se justificar e, se precisam se justificar, é
porque existe um problema aí que ninguém quer saber de rever, discutir.
Inventam uma frase poética pra se conformar com ela e não resolver o que
é preciso, igualmente ao ‘todos somos iguais’. Pronto, de posse da
poesia contida nas frases, que se dane o resto. Vamos viver em um padrão
sem respeitar o grito de quem está sendo excluído dentro da sociedade
por ser diferente”, protesta Souza.
Para
ela, o assunto precisa ser debatido e o desequilíbrio mostrado pelas
estatísticas deve ser questionado. “Mas, uma vez que os homens já
fizeram suas escolhas, estão casados com brancas e têm até filhos, não
podemos interferir”, afirma.
Veja mais no portal: http://www.revistaforum.com.br/semanal/a-solidao-tem-cor/
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