sábado, 25 de fevereiro de 2017

O Grande Ditador - Charles Chaplin

Desculpem-me, mas eu não quero ser um Imperador, esse não é o meu objectivo. Eu não pretendo governar ou conquistar ninguém. Gostaria de ajudar a todos, se possível, judeus, gentios, negros, brancos. Todos nós queremos ajudar-nos uns aos outros, os seres humanos são assim. Todos nós queremos viver pela felicidade dos outros, não pela miséria alheia. Não queremos odiar e desprezar o outro. Neste mundo há espaço para todos e a terra é rica e pode prover para todos.
O nosso modo de vida pode ser livre e belo. Mas nós estamos perdidos no caminho.
A ganância envenenou a alma dos homens, e barricou o mundo com ódio; ela colocou-nos no caminho da miséria e do derramamento de sangue.
Nós desenvolvemos a velocidade, mas sentimo-nos enclausurados:
As máquinas que produzem abundância têm-nos deixado na penúria.
O aumento dos nossos conhecimentos tornou-nos cépticos; a nossa inteligência, empedernidos e cruéis.
Pensamos em demasia e sentimos bem pouco:
Mais do que máquinas, precisamos de humanidade;
Mais do que inteligência, precisamos de afeição e doçura.
Sem essas virtudes, a vida será de violência e tudo será perdido.
O avião e o rádio aproximaram-nos. A própria natureza destas invenções clama pela bondade do homem, um apelo à fraternidade universal, à união de todos nós. Mesmo agora a minha voz chega a milhões em todo o mundo, milhões de desesperados, homens, mulheres, crianças, vítimas de um sistema que tortura seres humanos e encarcera inocentes. Para aqueles que me podem ouvir eu digo: “Não se desesperem”.
A desgraça que está agora sobre nós não é senão a passagem da ganância, da amargura de homens que temem o avanço do progresso humano: o ódio dos homens passará e os ditadores morrem e o poder que tiraram ao povo, irá retornar ao povo e enquanto os homens morrem [agora] a liberdade nunca perecerá…
Soldados: não se entreguem aos brutos, homens que vos desprezam e vos escravizam, que arregimentam as vossas vidas, vos dizem o que fazer, o que pensar e o que sentir, que vos corroem, digerem, tratam como gado, como carne para canhão.
Não se entreguem a esses homens artificiais, homens-máquina, com mentes e corações mecanizados. Vocês não são máquinas. Vocês não são gado. Vocês são Homens. Vocês têm o amor da humanidade nos vossos corações. Vocês não odeiam, apenas odeia quem não é amado. Apenas os não amados e não naturais. Soldados: não lutem pela escravidão, lutem pela liberdade.
No décimo sétimo capítulo de São Lucas está escrito:
“O reino de Deus está dentro do homem”
Não um homem, nem um grupo de homens, mas em todos os homens; em você, o povo.
Vós, o povo tem o poder, o poder de criar máquinas, o poder de criar felicidade. Vós, o povo tem o poder de tornar a vida livre e bela, para fazer desta vida uma aventura maravilhosa. Então, em nome da democracia, vamos usar esse poder, vamos todos unir-nos. Lutemos por um mundo novo, um mundo bom que vai dar aos homens a oportunidade de trabalhar, que lhe dará o futuro, longevidade e segurança. É pela promessa de tais coisas que desalmados têm subido ao poder, mas eles mentem. Eles não cumprem as suas promessas, eles nunca o farão. Os ditadores libertam-se, porém escravizam o povo. Agora vamos lutar para cumprir essa promessa. Lutemos agora para libertar o mundo, para acabar com as barreiras nacionais, dar fim à ganância, ao ódio e à intolerância. Lutemos por um mundo de razão, um mundo onde a ciência e o progresso conduzam à felicidade de todos os homens.
Soldados! Em nome da democracia, vamos todos unir-nos!
Olha para cima! Olha para cima! As nuvens estão a dissipar-se, o sol está a romper. Estamos a sair das trevas para a luz. Estamos a entrar num novo mundo. Um novo tipo de mundo onde os homens vão subir acima do seu ódio e da sua brutalidade.
A alma do homem ganhou asas e, finalmente, ele está a começar a voar. Ele está a voar para o arco-íris, para a luz da esperança, para o futuro, esse futuro glorioso que te pertence, que me pertence, que pertence a todos nós.
Olha para cima!
Olha para cima!

O Dia da Criação - Vinícius de Moraes


Hoje é sábado, amanhã é domingo
A vida vem em ondas, como o mar
Os bondes andam em cima dos trilhos
E Nosso Senhor Jesus Cristo morreu na Cruz para nos salvar.
Hoje é sábado, amanhã é domingo
Amanhã não gosta de ver ninguém bem
Hoje é que é o dia do presente
O dia é sábado.
Hoje é sábado, amanhã é domingo
Não há nada como o tempo para passar
Foi muita bondade de Nosso Senhor Jesus Cristo
Mas por via das dúvidas livrai-nos meu Deus de todo mal. Amém.
Impossível fugir a essa dura realidade
Neste momento todos os bares estão repletos de homens vazios
Todos os namorados estão de mãos entrelaçadas
Todos os maridos estão funcionando regularmente
Todas as mulheres estão atentas
Porque hoje é sábado.
Neste momento há um casamento, Porque hoje é sábado.
Há um divórcio e um violamento, Porque hoje é sábado.
Há um homem rico que se mata, Porque hoje é sábado.
Há um incesto e uma regata, Porque hoje é sábado.
Há um espetáculo de gala, Porque hoje é sábado.
Há uma mulher que apanha e cala, Porque hoje é sábado.
Há um renovar-se de esperanças, Porque hoje é sábado.
Há uma profunda discordância, Porque hoje é sábado.
Há um sedutor que tomba morto, Porque hoje é sábado.
Há um grande espírito de porco, Porque hoje é sábado.
Há uma mulher que vira homem, Porque hoje é sábado.
Há criancinhas que não comem, Porque hoje é sábado.
Há um piquenique de políticos, Porque hoje é sábado.
Há um grande acréscimo de sífilis, Porque hoje é sábado.
Há um ariano e uma mulata, Porque hoje é sábado.
Há um tensão inusitada, Porque hoje é sábado.
Há adolescências seminuas, Porque hoje é sábado.
Há um vampiro pelas ruas, Porque hoje é sábado.
Há um grande aumento no consumo, Porque hoje é sábado.
Há um noivo louco de ciúmes, Porque hoje é sábado.
Há um garden-party na cadeia, Porque hoje é sábado.
Há uma impassível lua cheia, Porque hoje é sábado.
Há damas de todas as classes, Porque hoje é sábado.
Umas difíceis, outras fáceis, Porque hoje é sábado.
Há um beber e um dar sem conta, Porque hoje é sábado.
Há uma infeliz que vai de tonta, Porque hoje é sábado.
Há um padre passeando à paisana, Porque hoje é sábado.
Há um frenesi de dar banana, Porque hoje é sábado.
Há a sensação angustiante, Porque hoje é sábado.
De uma mulher dentro de um homem, Porque hoje é sábado.
Há a comemoração fantástica, Porque hoje é sábado.
Da primeira cirurgia plástica, Porque hoje é sábado.
E dando os trâmites por findos, Porque hoje é sábado.
Há a perspectiva do domingo, Porque hoje é sábado.

Achadouros de Infâncias - Manoel de Barros


Acho que o quintal onde a gente brincou é maior do que a cidade. A gente só descobre isso depois de grande. A gente descobre que o tamanho das coisas há de ser medido pela intimidade que temos com as coisas.
Há de ser como acontece com o amor. Assim, as pedrinhas do nosso quintal são sempre maiores do que as outras pedras do mundo. Justo pelo motivo da intimidade. Mas o que eu queria dizer sobre o nosso quintal é outra coisa. Aquilo que a negra Pombada, remanescente de escravos do Recife, nos contava.
Pombada contava aos meninos de Corumbá sobre achadouros. Que eram buracos que os holandeses, na fuga apressada do Brasil, faziam nos seus quintais para esconder suas moedas de ouro, dentro de baús de couro. Os baús ficavam cheios de moedas dentro daqueles buracos.
Mas eu estava a pensar em achadouros de infâncias. Se a gente cavar um buraco ao pé da goiabeira do quintal, lá estará um guri ensaiando subir na goiabeira. Se a gente cavar um buraco ao pé do galinheiro, lá estará um guri tentando agarrar no rabo de uma lagartixa.
Sou hoje um caçador de achadouros de infância. Vou meio dementado e enxada às costas a cavar no meu quintal vestígios dos meninos que fomos. Hoje encontrei um baú cheio de punhetas.

Os ninguéns - Eduardo Galeano


As pulgas sonham em comprar um cão, e os ninguéns com deixar a pobreza, que em algum dia mágico de sorte chova a boa sorte a cântaros; mas a boa sorte não chova ontem, nem hoje, nem amanhã, nem nunca, nem uma chuvinha cai do céu da boa sorte, por mais que os ninguéns a chamem e mesmo que a mão esquerda coce, ou se levantem com o pé direito, ou comecem o ano mudando de vassoura.
Os ninguéns: os filhos de ninguém, os dono de nada.
Os ninguéns: os nenhuns, correndo soltos, morrendo a vida, fodidos e mal pagos:
Que não são embora sejam.
Que não falam idiomas, falam dialetos.
Que não praticam religiões, praticam superstições.
Que não fazem arte, fazem artesanato.
Que não são seres humanos, são recursos humanos.
Que não tem cultura, têm folclore.
Que não têm cara, têm braços.
Que não têm nome, têm número.
Que não aparecem na história universal, aparecem nas páginas policiais da imprensa local.
Os ninguéns, que custam menos do que a bala que os mata.

Proteste alerta para a substância acrilamida em diversos produtos alimentícios

por: Eduardo Knapp/Folhapres
 
Uma pesquisa mostra que os teores de acrilamida, substância associada a um risco maior de ter câncer, variam bastante entre produtos do mesmo grupo vendidos nos supermercados brasileiros, apesar de não haver nenhuma lei ou regra que regule o assunto. Formada durante o aquecimento de alimentos ricos em carboidratos a temperaturas acima de 120° C, a acrilamida é classificada como "provável cancerígeno" pela Agência Internacional de Pesquisa em Câncer, ligada à Organização Mundial da Saúde.
A Proteste Associação de Consumidores analisou 51 produtos de oito categorias de alimentos – batata frita, batata chips, biscoito doce e salgado, biscoito cream cracker, pão francês, salgadinhos e torradas – e constatou que o pão francês e os biscoitos doces e salgados são os campeões em teor da substância.
Apesar de não haver consenso sobre os níveis considerados seguros à saúde e, portanto, não haver legislação sobre o tema, a Proteste decidiu pedir à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) a elaboração de um código de boas práticas para que os fabricantes revejam seus processos de fabricação e cumpram metas para a redução da substância.
  • Reprodução/Revista Proteste Saúde
    A tabela com os resultados da pesquisa mostra que os níveis de acrilamida podem variar bastante em alimentos do mesmo grupo
Em um informe técnico divulgado em 2007, a Anvisa esclarece que não existem evidências suficientes sobre a quantidade de acrilamida presente nos diferentes tipos de alimentos para recomendar que se evite algum deles em particular. Mas sugere que itens ricos em amido não sejam cozidos por muito tempo a temperaturas superiores a 120° C.
Resultados
A Proteste detectou que o pão francês da marca Extra contém a maior quantidade da acrilamida, 225 microgramas por quilo, enquanto o do Carrefour tem 111.
Entre os biscoitos doces, o Passatempo tem menos de 100 microgramas por quilo, enquanto o Adria tem 1.110. Já entre os salgados, o da Nestlé Nesfit tem 1.060 microgramas por quilo e o Club Social, 526. O biscoito cream cracker da Mabel apresenta 448 microgramas por quilo, e o Richester, 210.
A batata frita do Habib's contém a maior quantidade de acrilamida, 496 microgramas por quilo, e a do Bob's a menor, com 100. Entre as batatas chips, a Stax tem 765 microgramas por quilo e a Ruffles, 243.
O salgadinho da Cheetos tem menos de 100 microgramas da substância e o Pingo D'Ouro, 393. A torrada da Plus Vita tem 244 microgramas de acrilamida por quilo, enquanto a da Visconti tem 102.
Outro lado
O UOL Saúde contatou os fabricantes dos produtos com maiores índices de acrilamida para comentar o resultado da pesquisa. A M.Dias Branco, responsável pelas marcas Adria e Richester, ressaltou que, "de acordo com a Anvisa, a formação de acrilamida ocorre naturalmente em alguns tipos de alimentos ricos em carboidratos e que necessitam de altas temperaturas para o seu preparo. Por isso a substância pode estar presente tanto em alimentos preparados em casa quanto em produtos processados".
A empresa também informou que adota as Boas Práticas de Fabricação em todas as linhas de produção e acompanha a discussão sobre o tema junto às entidades científicas e governamentais. "A companhia adota rígidos controles de qualidade em todos os seus produtos e segue a legislação e as normas da vigilância sanitária".
Como evitar 
Em sua revista mensal, a Proteste sugere que o ideal é evitar o consumo de altas quantidades de acrilamida. Uma dica da entidade é dar preferência às batatas cozidas, em vez das fritas. E, ao cozinhar ou fritar, é recomendável deixá-las com uma cor amarelo dourado - a cor marrom, segundo pesquisadores, é um indicador da presença de acrilamida. "A regra também vale para o pão e para as torradas: prefira os mais clarinhos", diz a revista.
Outro conselho de pesquisadores que é destacado pela Proteste é guardar as batatas em local fresco e escuro, como o armário ou a despensa, em vez de deixá-la na geladeira. Isso porque as temperaturas mais baixas podem aumentar a formação de acrilamida no cozimento.

Fonte: noticias.uol.com.br/saude
 

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017

Podcast: uma ferramenta que sugere grandes possibilidades






Atualmente há novas formas de transmissão de informações para outras pessoas que superam as ferramentas usuais como: mensagens de texto, e-mails, arquivos em PDF, docs, etc. Uma dessas novas formas é o podcast: um arquivo de mídia digital, geralmente áudio, para ser disponibilizado via internet.
Segundo o Wikipédia: 

A palavra "podcasting" é uma junção de iPod - marca do aparelho de midia digital da Apple Inc. de onde saíram os primeiros scripts de podcasting -, ou a sigla para Personal On Demand (numa tradução literal, algo pessoal e sob demanda), e broadcasting (transmissão de rádio ou televisão).” A série de arquivos publicados por podcasting é chamada de podcast. O autor de um podcast é chamado podcaster.

O podcast é a denominação dos arquivos publicados dessa forma. Quem publica um podcast é chamando de podcaster.

O podcast é como um programa de rádio, porém sua diferença e vantagem primordial é o conteúdo sob demanda. Você pode ouvir o que quiser, na hora que bem entender. Basta acessar e clicar no play ou baixar o episódio.

 Os podcasts podem ser produzidos a partir de diversos programas, apps e, para vários fins. É possível produzir podcast sobre uma pluralidade de temas: games, educação, disciplinas desde ciências físicas até as ciências humanas e sociais, notícias, atualidades, músicas, cultura, literatura, esporte, política, religião, cinema [...]


Para saber mais acesse:

mundopodcast.com.br
O portal possui bastante informação sobre essas ferramentas: como ouvir, apps, agregadores e outras notícias sobre o tema.
 
 radiofobia.com.br





Criolo fala sobre a "classe C" em entrevista com Lázaro Ramos

Hoje assisti uma entrevista muito bacana no youtube. Dois personagens significativos do cenário artistico brasileiro estavam frente a frente: Lázaro Ramos e Criolo. A entrevista do Canal Brasil é um papo direto sem rodeios sobre várias coisas. Entretanto, um fio condutor parece direcionar a conversa: a desigualdade da sociedade contemporânea - a opressão de todo dia.

Criolo defende reflexão e um outro olhar para as coisas consideradas naturais. Não somo s pobres por desígnio metafísicos. A pobreza é algo estrutural, não é culpa do sujeito que tenta em vão comprar uma casa, comprar seu leite de cada dia. O capitalismo produz em busca de lucros, o espaço para o "humano" parece ficar no meio do caminho.

"O que é essa classe C? O que é um carro popular que tem 50% de imposto e tem de ser financiado?"

A alta individualidade, em tempos de relações humanas pouco duráveis é evidência de o quanto nossa sociedade precisa mudar. Nessa "modernidade líquida", como nos ensina Zygmunt Bauman, as pessoas estão perdidas na incerteza do mundo. Precisamos mudar esse cenário, enfatizando o coletivo para uma melhoria da comunidade humana. Aprender um pouco mais a cada dia, respeitando o outro parece ser o caminho - difícil mas importante.


Que Bloco é Esse ? Ilê Aiyê


Que Bloco é Esse ?

Ilê Aiyê
Compositor: Paulinho Camafeu

Que bloco é esse?
Eu quero saber,
É o mundo negro
Que viemos mostra prá você
Prá você
Somos criolo doido
Somos bem legal
Temos cabelo duro
Somos black power

Branco, se você soubesse
O valor que o preto tem,
Tu tomava um banho de piche, branco
E ficava preto também
Não te ensino minha malandragem
Nem tão pouco minha filosofia
Por quê?
Quem dá luz ao cego
É bengala branca
E santa luzia
Ai,ai meu Deus!


segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017

Loucos e Santos - Oscar Wilde [recitado por Abujanra]

Loucos e Santos
Por Oscar Wilde
Escolho meus amigos não pela pele ou outro arquétipo qualquer, mas pela pupila.
Tem que ter brilho questionador e tonalidade inquietante.
A mim não interessam os bons de espírito nem os maus de hábitos.
Fico com aqueles que fazem de mim louco e santo.
Deles não quero resposta, quero meu avesso.
Que me tragam dúvidas e angústias e aguentem o que há de pior em mim.
Para isso, só sendo louco.
Quero os santos, para que não duvidem das diferenças e peçam perdão pelas injustiças.
Escolho meus amigos pela alma lavada e pela cara exposta.
Não quero só o ombro e o colo, quero também sua maior alegria.
Amigo que não ri junto, não sabe sofrer junto.
Meus amigos são todos assim: metade bobeira, metade seriedade.
Não quero risos previsíveis, nem choros piedosos.
Quero amigos sérios, daqueles que fazem da realidade sua fonte de aprendizagem, mas lutam para que a fantasia não desapareça.
Não quero amigos adultos nem chatos.
Quero-os metade infância e outra metade velhice!
Crianças, para que não esqueçam o valor do vento no rosto; e velhos, para que nunca tenham pressa.
Tenho amigos para saber quem eu sou
Pois os vendo loucos e santos, bobos e sérios, crianças e velhos, nunca me esquecerei de que “normalidade” é uma ilusão imbecil e estéril.

A vida são deveres... - Mário Quintana

Autor: Mário Quintana

A vida são deveres, que nós trouxemos para fazer em casa.
Quando se vê, já são seis horas...
Quando se vê, já é sexta-feira
Quando se vê, já é Natal ....
Quando se vê, já terminou o ano .
Quando se vê, perdemos o amor da nossa vida .
Quando se vê, passaram-se 50 anos !
Agora, é tarde demais para ser reprovado ...
Se me fosse dado, um dia, outra oportunidade,
eu nem olhava o relógio.
Seguiria sempre em frente e iria jogando pelo caminho,
a casca dourada e inútil das horas ...
Eu seguraria todos os meus amigos, que Já não sei como e onde eles estão e diria: vocês são extremamente importantes para mim.
Seguraria o amor que está a minha frente e diria que eu o amo...
Dessa forma eu digo, não deixe de fazer algo que gosta devido a falta de tempo.
Não deixe de ter pessoas ao seu lado por puro medo de ser feliz.
A única falta que terá será a desse tempo que, infelizmente, nunca mais voltará.



Em entrevista, o desembargador federal Roger Raupp Rios fala sobre o papel do direito na luta pelo fim do preconceito e intolerância


Por Vitor Necchi
Do Ihu-Online
Uma consequência do acúmulo de lutas e reivindicações contra preconceito e discriminação é o surgimento do direito da antidiscriminação. "Pode-se perceber que quanto mais a democracia, não só política, mas também social, consolida-se, aumentam a quantidade e a qualidade das respostas diante de discriminação", avalia o desembargador federal Roger Raupp Rios.
Em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line, Rios afirma que "desde a redemocratização e, em especial, nas primeiras duas décadas e meia após a promulgação da Constituição de 1988, houve marcos importantes na proteção antidiscriminatória, seja na legislação, seja na sua aplicação pelos tribunais”. A situação não é ideal e ainda há muito a fazer, mas o magistrado reconhece “uma atenção crescente a casos de discriminação contra a mulher, racismo e homofobia".
Leia mais:
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A sombra do retrocesso sobre o ensino médio
Uerj: uma universidade na UTI
Para que se aprimore o combate às diversas formas de discriminação, "ainda temos que avançar em preparo técnico, capacidade de percepção e efetivação das normas constitucionais diante de inúmeras formas de discriminação, especialmente institucionais, como acontece com assassinato massivo da juventude negra e o altíssimo grau de violência de gênero".
O desembargador, que tem destacada atuação na defesa dos direitos humanos, defende uma composição de forças para que os cidadãos tenham respeitada sua dignidade. "Se o que prevalece, nos dias atuais e ao longo de toda nossa história, são exclusão, discriminação estrutural e violência, não haverá solução mágica pela atuação de uma instituição estatal. Somente a sinergia entre a transformação social mais ampla e o funcionamento do Judiciário irão diminuir a vulnerabilidade e aumentar o acesso e a efetividade dos mecanismos formais do direito", garante.
Rios defende que a inclusão da homofobia entre as formas de discriminação penalmente puníveis é justa e necessária. "Diante da intensidade e da quantidade de assassinatos e violência, precisamos ir além das sanções administrativas e cíveis, sendo necessária também a criminalização”, afirma. “Um dos desafios básicos para a democracia no Brasil é a construção de uma sociedade sem discriminações, em que a liberdade de cada um conduzir sua vida de modo autônomo seja respeitada."
Roger Raupp Rios é desembargador federal do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, mestre e doutor em Direito (UFRGS), com estágio pós-doutoral em Direito (Universidade de Paris II). Pesquisador visitante na Universidade do Texas (Austin) e na Universidade Columbia (NYC). Professor do Mestrado em Direitos Humanos da UniRitter. Desenvolve pesquisa, desde 1996, nas áreas de direito da antidiscriminação, direitos humanos e direitos sexuais. Dentre suas publicações no Brasil e no exterior, destacam-se Direito da Antidiscriminação (Editora Livraria do Advogado), Em Defesa dos Direitos Sexuais (Editora Livraria do Advogado), O princípio da igualdade e a discriminação por orientação sexual: a homossexualidade no direito brasileiro e norte-americano (Editora Revista dos Tribunais), Entre a Dúvida e o Dogma: liberdade acadêmica nas universidades confessionais (Editora Livraria do Advogado e Letras Livres), Direitos sexuais e direito de família em perspectiva queer (Editora da UFCSPA, no prelo), Discriminação e educação: uma perspectiva de direitos humanos (Editora Autêntica, no prelo). Recebeu a Comenda da Magistratura Nacional (Associação dos Magistrados do Brasil – AMB) e foi agraciado, na categoria Direitos das Mulheres, no 1º Concurso Nacional de Pronunciamentos Judiciais e Acórdãos em Direitos Humanos, promovido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e pela Secretaria Nacional de Direitos Humanos.
Confira a entrevista.


Qual o papel do direito diante do preconceito e da discriminação?

Roger Raupp Rios – Preconceito e discriminação são dinâmicas individuais e grupais. Pode-se dizer, sem medo de errar, que ambas se apresentam em todas as sociedades humanas, manifestando-se, à evidência, dos mais diversos e complexos modos.

O direito pode ser visualizado de muitos modos: como ciência, é uma específica área do conhecimento; como prática, associada a certas profissões e instituições; e, de modo bem mais abrangente, o direito é uma sofisticada produção cultural que objetiva organizar a vida social, mediante o estabelecimento de direitos e de deveres.

Visto sob essas perspectivas, o direito tem um papel muito importante na resposta a preconceito e discriminação. Desde afirmar a igual dignidade de todos os seres humanos, até a instituição de direitos e deveres visando à igual proteção de todos e de cada um, o direito é permanentemente desafiado a enfrentar tratamentos injustos desiguais, bem como estruturas de subordinação e de privilégio de determinados indivíduos e grupos sobre outros.

O que é direito da antidiscriminação?

O direito da antidiscriminação pode ser descrito como uma área específica do conhecimento e da prática do direito, que surge historicamente do acúmulo de lutas e reivindicações contra preconceito e discriminação. Nele, estabelece-se aprofundar o significado e as consequências do conceito jurídico de discriminação, bem como examinar as modalidades de discriminação proibidas (discriminação direta – intencional - e indireta – não intencional), explicitar quais são os critérios proibidos de discriminação (por exemplo, raça, cor, origem, sexo, religião, deficiência e gênero) e propor respostas concretas à discriminação (tais como ações afirmativas, leis criminalizando atos discriminatórios e medidas exigidas para criar condições de convívio justo em face das diferenças, como ocorre com adaptações necessárias para pessoas com deficiência).

A propósito, considerando o direito brasileiro e internacional, eis o conceito jurídico de discriminação: qualquer distinção, exclusão, restrição ou preferência que tem o propósito ou efeito de prejudicar, restringir ou anular o reconhecimento, o gozo e o exercício de direitos humanos e liberdades fundamentais, em qualquer domínio da vida pública ou privada.

Como o Judiciário brasileiro vem se comportando em julgamentos relacionados a casos de preconceito?

As instituições jurídicas brasileiras (Judiciário, advocacia, Ministério Público, forças de segurança pública, dentre outras) não vivem fora da história, muito menos são imunes ao contexto nacional. Pode-se perceber que quanto mais a democracia, não só política, mas também social, consolida-se, aumentam a quantidade e a qualidade das respostas diante de discriminação. Assim, momentos em que há retrocessos e resistência aos direitos humanos e fundamentais no País e no mundo acabam impactando na mentalidade e no funcionamento dessas instituições, enfraquecendo as respostas judiciais.

Nesse quadro, parece-me correto afirmar que, desde a redemocratização e, em especial, nas primeiras duas décadas e meia após a promulgação da Constituição de 1988, houve marcos importantes na proteção antidiscriminatória, seja na legislação, seja na sua aplicação pelos tribunais. Ainda que muito tenha que se avançar, percebe-se uma atenção crescente a casos de discriminação contra a mulher, racismo e homofobia. Exemplos disso, para ficar somente no Supremo Tribunal Federal, foram a criminalização do antissemitismo como forma de racismo, a afirmação da constitucionalidade da Lei Maria da Penha, o reconhecimento das uniões homossexuais como família, a constitucionalidade da reserva de vagas nas universidades por critérios raciais e socioeconômicos e a possibilidade de interrupção da gestação de fetos anencéfalos.

Mesmo assim, ainda temos que avançar em preparo técnico, capacidade de percepção e efetivação das normas constitucionais diante de inúmeras formas de discriminação, especialmente institucionais, como acontece com assassinato massivo da juventude negra e o altíssimo grau de violência de gênero.

Nos últimos anos, esse desafio toma proporções ainda mais alarmantes, com o recrudescimento em todo o globo e no Brasil de mentalidades autoritárias e backlashes em matéria de direitos humanos.

Atos discriminatórios atingem muitas pessoas socialmente vulneráveis e com dificuldade de acesso aos mecanismos formais do direito. Como fazer para a Justiça ser mais acessível a quem sofre preconceito?

Tornar a Justiça acessível e efetiva envolve muitos elementos. Requer-se aprimoramento técnico, análise crítica da realidade discriminatória e compromisso constitucional com os direitos humanos. Esses são aspectos indispensáveis e ao mesmo tempo um dever das instituições judiciais e dos juízes e juízas individualmente.
No entanto, por mais relevantes que sejam, esses requisitos estão longe de serem suficientes. O Judiciário funciona em contextos sociais amplos, historicamente vividos. Se o que prevalece, nos dias atuais e ao longo de toda nossa história, são exclusão, discriminação estrutural e violência, não haverá solução mágica pela atuação de uma instituição estatal. Somente a sinergia entre a transformação social mais ampla e o funcionamento do Judiciário irão diminuir a vulnerabilidade e aumentar o acesso e a efetividade dos mecanismos formais do direito.
Nesse caminho, muitas iniciativas podem ser enumeradas: educação para os direitos, aprimoramento técnico e crítico dos profissionais do direito e das instituições onde trabalham, reivindicações e participação social e política qualificada dos movimentos e organizações sociais e, é claro, democratização política e social mais amplas. Trata-se de acionar círculos virtuosos, que se alimentam e se reforçam mutuamente.


O artigo 1º da Lei Nº 7.716/89 estabelece que “Serão punidos, na forma desta Lei, os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional”. Isso é suficiente? Que preconceitos e discriminações não foram previstos nesta norma?
 Essa pergunta é muito pertinente. Tal lei penal pode ser considerada, sem sombra de dúvida, a lei penal antidiscriminatória mais importante do direito brasileiro, nossa lei penal geral antidiscriminatória. Enfatizo o papel desempenhado por essa lei porque, no direito brasileiro, além dela, há outras leis penais espalhadas que criminalizam certas discriminações (por exemplo, no âmbito específico das relações trabalhistas ou no Estatuto do Idoso), ao passo que outros países adotam uma legislação unificada, o que aumenta a chance da aplicação da lei e de melhores respostas judiciais.
Além das leis penais, há também leis que estabelecem sanções não penais, de tipo administrativo e cível, como, por exemplo, condenações por dano moral e penalidades de multa e cassação de alvarás em caso de estabelecimentos fiscalizados pelo poder público estadual ou municipal.
Também não podemos esquecer que o Brasil incorpora vários instrumentos internacionais, que consideram ilícito discriminar por vários fatores. Destaco dois exemplos nesse campo. A mais importante convenção internacional de direitos humanos no Brasil é a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. Ela foi incorporada como equivalente à norma constitucional no direito brasileiro, dando toda força jurídica possível ao conceito jurídico de discriminação, à proibição tanto da discriminação intencional (direta), quanto não intencional (indireta, ou seja, quando há resultados discriminatórios, sem depender de existir vontade de discriminar). Ela também contempla o direito a adaptações razoáveis para tornar realidade a inclusão de pessoas com deficiência. O outro exemplo que desejo destacar é a Convenção Interamericana Contra Todas as Formas de Discriminação e Intolerância, que acrescenta inúmeras proibições de discriminação, tais como por expressão de gênero ou contra refugiados.
Portanto, há no direito brasileiro proteção contra várias formas de discriminação. As mais consolidadas e conhecidas estão na Lei 7.716 e atuam criminalizando certos tipos de discriminação. Há proteção não penal também, sendo que em alguns casos ainda não há proteção penal para um critério, mesmo que esse fator seja previsto pelo direito civil, trabalhista ou administrativo (orientação sexual e identidade de gênero são exemplos muito discutidos).
Esse estado de coisas, no campo do direito antidiscriminatório, é suficiente? Para tanto considerar, devemos ponderar as razões pelas quais um critério deve ser protegido penalmente ou não, devemos também pensar se basta a proteção não penal. Tomando o caso emblemático da homofobia, sou de opinião que, diante da intensidade e da quantidade de assassinatos e violência, precisamos ir além das sanções administrativas e cíveis, sendo necessária também a criminalização.
De fato, um dos desafios básicos para a democracia no Brasil é a construção de uma sociedade sem discriminações, em que a liberdade de cada um conduzir sua vida de modo autônomo seja respeitada. Para tanto, é preciso agir em várias frentes: medidas educativas, oportunidades de participação política e serviços públicos de saúde, segurança e justiça preparados para lidar com a diversidade – tudo isso é necessário. 
Nesse contexto, a legislação antidiscriminatória penal se revela, ao lado das demais iniciativas, um dos instrumentos mais importantes.

O Projeto de Lei da Câmara (PLC) 122/2006 propunha criminalizar preconceitos motivados pela orientação sexual e pela identidade de gênero, equiparando-os aos demais preconceitos previstos na Lei 7716/89, mas foi arquivado. Por que é importante criminalizar a homofobia?
As funções que a legislação penal cumpre são insubstituíveis: além de possibilitar a punição de atentados graves contra a vida, a liberdade, a igualdade e a dignidade humana, a lei penal tem caráter pedagógico e simbólico. Ela aponta quais são os bens jurídicos mais relevantes, dentre os quais se inclui, sem dúvida, numa sociedade democrática e pluralista, o respeito à diversidade. Tudo isso se torna urgente quando preconceitos, costumes e visões de mundo se voltam contra cidadãos pelo simples fato de não se identificarem ou não serem percebidos como heterossexuais (homofobia).
Desde há muito, homossexuais, bissexuais, travestis e transexuais sofrem agressões físicas e morais intensas: assassinatos, espancamentos, ofensas verbais, demissão do emprego e exclusão escolar são terrível e vergonhosamente frequentes.
Essa dinâmica é alimentada, direta e indiretamente, por opiniões e atitudes intolerantes diante de tudo que contrarie essa mentalidade heterossexista. Nesse quadro, a inclusão da homofobia entre as formas de discriminação penalmente puníveis é justa e necessária. Necessária porque, além de ter caráter repressivo pela punição de atos homofóbicos, atua preventivamente, evitando e desencorajando tais práticas. Justa porque fortalece o respeito à diversidade e à dignidade humana, sem o que não há garantias para a igual liberdade de todos, independentemente de cor, origem, religião, sexo, orientação sexual, identidade de gênero ou outras formas de discriminação.
Deixar a homofobia fora da lista de discriminações que a lei penal sanciona é atentar gravemente contra a democracia, a liberdade e a dignidade humanas, relegando um sem-número de cidadãos a uma cidadania de segunda classe. Ao mesmo tempo, é minar o convívio pluralista e tolerante, sem o que ninguém pode se sentir seguro de que não será discriminado em virtude de sua identidade ou escolhas fundamentais relacionadas a cor, origem, religião, raça, sexo, gênero, orientação sexual, deficiência ou idade. No caso da homofobia, há muito que avançar, pois homossexuais, travestis e transexuais ainda são estigmatizados e subjugados como seres abjetos.
Prover o Brasil dos instrumentos para combater a homofobia é tanto mais necessário quanto mais vulneráveis são os indivíduos e grupos objeto de preconceito e quanto mais intensa é a discriminação. Trata-se não só de imperativo constitucional e de compromisso democrático como também do respeito que é devido a todos os seres humanos, independentemente de identidade, preferência ou orientação sexual.

Para sustentar discursos de ódio e discriminatórios, alega-se o direito à liberdade de expressão. Qual o limite da expressão? O ódio e o preconceito devem ser coibidos por mecanismos legais? Isso caracterizaria censura?
Não se trata de cerceamento das liberdades de opinião. Assim como na proibição do racismo, o que se quer evitar é que a injúria e a agressão, fomentadoras do ódio e da violência, campeiem sem restrições, pondo em risco e ofendendo a vida e a dignidade. A proibição de discursos e práticas discriminatórias não inviabiliza as liberdades de opinião e manifestação. Ao contrário, a prática das liberdades no mundo plural requer seu exercício sem violência ou intolerância (como, aliás, legitimamente ocorre na criminalização do escárnio público de alguém por crença religiosa).


E a liberdade religiosa? Há setores que defendem que proteger pessoas LGBTTI de discriminação, inclusive com a criminalização da homofobia, seria uma forma de discriminação religiosa.
Assim como a proteção antidiscriminatória diante da homofobia não caracteriza qualquer tipo de censura, não há conflito entre a proteção contra a homofobia e a proteção da liberdade religiosa.
O ponto de partida é o objetivo da proteção da liberdade religiosa, que é uma medida antidiscriminatória. Ela almeja propiciar que minorias não sejam oprimidas por sua religião, nem sejam impedidas de professar sua fé religiosa. Exemplo disso foi um famoso caso decidido pela Suprema Corte dos Estados Unidos, envolvendo a utilização do peiote (cacto com efeitos psicotrópicos) em cultos religiosos indígenas. O tribunal decidiu que a proibição da substância, considerada entorpecente e banida pela legislação, fere a liberdade religiosa da minoria indígena, discriminada pela maioria não indígena. A proteção da liberdade religiosa afirmou-se, desse modo, como medida antidiscriminatória. Nesse contexto, não faz nenhum sentido veicular a liberdade religiosa como licença para discriminar gays e lésbicas, deixando-os sem proteção quando vítimas de homofobia.
De fato, democracias pluralistas e laicas não admitem a exclusão ou a restrição de direitos, patrocinadas por grupos religiosos, contra quem tais grupos julguem pecadores ou infiéis. Na esfera pública, seja para participar da vida estatal, seja para acessar oportunidades sociais e econômicas, seja para proteção estatal contra discriminação, as liberdades fundamentais (como a religiosa) servem para garantir os direitos de todos, não para justificar discriminações.
Imagine-se a seguinte situação. O proprietário homossexual de uma banca de revistas gays e lésbicas professa, com fundamento religioso, a crença de que o maior pecado é a hipocrisia, e, em sua igreja, uniões e relações homossexuais não são considerados pecados. Ele não poderia deixar de vender seus produtos a determinado cliente que, mesmo repudiando a homossexualidade no culto religioso de sua igreja, fosse adquiri-los. Em circunstâncias como essa, o revisteiro gay que se negasse a vender pornografia homossexual ao crente hipócrita só teria duas alternativas. Ou retirar-se da sociedade de mercado, não mais ofertando seus bens e serviços ao público, ou submeter-se às sanções legais decorrentes da discriminação. Esse o raciocínio que preserva a função da proteção antidiscriminatória tanto para a liberdade religiosa, quanto para a orientação sexual.
Fora disso, longe do exercício da liberdade religiosa, o que se apresentariam são pretextos para discriminar e má compreensão do valor da liberdade para todos, em especial para grupos minoritários, em sociedades democráticas e pluralistas. A missão do direito da antidiscriminação, em casos como esse, é de pavimentar e consolidar a construção de uma sociedade democrática e justa para todos.

Fonte: Caros Amigos
Disponível em: <http://www.carosamigos.com.br/index.php/cotidiano/9303-construcao-de-uma-sociedade-sem-discriminacoes-e-desafio-para-a-democracia> 

P2P e Comuns: entre Pós-Capitalismo e cooptação


Por Michael Bawens e Vasilis Kostakis
No Outras Palavras

e no carosamigos.com

 
Desde que Marx identificou as fábricas de Manchester como o modelo para a nova sociedade capitalista não há uma transformação mais profunda dos fundamentos de nossa vida social. No momento em que o capitalismo enfrenta uma série de crises estruturais, uma nova dinâmica social, política e econômica está emergindo: o peer to peer, ou pessoa a pessoa (P2P)1.

O que é pessoa-a-pessoa? E por que é importante na construção de um futuro baseado nos bens comuns [tratados no texto como Comuns, a partir deste ponto]? Essas são as perguntas que tentamos responder, ao articular quatro de seus aspectos:

1. O Pessoa-a-pessoa, ou P2P, é um tipo de relação social nas redes humanas;
2. É também uma infra-estrutura tecnológica que torna possível a generalização e crescimento dessas relações;
3. O Pessoa-a-pessoa permite assim um novo modo de produção e de troca;
4. O P2P cria o potencial para a transição a uma economia que pode ser regeneradora, em relação às pessoas e à natureza.

Acreditamos que esses quatro aspectos transformarão profundamente a sociedade humana. Idealmente, o pessoa-a-pessoa  descreve sistemas em que qualquer ser humano pode contribuir com a criação e manutenção de um recurso compartilhado – beneficiando-se dele, ao mesmo tempo. Há uma enorme variedade desses sistemas: a enciclopédia livre Wikipedia, projetos de software livre; de comunidades de projeto aberto, moedas comunitárias, iniciativas de relocalização.
O que é P2P e como se relaciona aos Comuns?
No início da história, os sistemas de computação pessoa-a-pessoa caracterizam-se pela conexão consentida entre “pares”. Isso significa que computadores ligados a uma rede podem interagir uns com os outros. Foi nesse contexto que a literatura começou a caracterizar o compartilhamento de arquivos de áudio e vídeo como  compartilhamento de arquivos P2P, e que ao menos uma parte da infra-estrutura subjacente à internet, assim como sua infra-estrutura de transmissão de dados, foram chamadas de P2P.
Vamos agora assumir que por trás daqueles computadores há usuários humanos. Um salto conceitual pode ser feito para argumentar que os usuários têm agora uma possibilidade tecnológica (uma ferramenta) que permite interagirem e comprometerem-se uns com os outros mais facilmente, numa escala global. O Pessoa-a-pessoa pode ser visto como uma dinâmica relacional pela qual pares podem colaborar livremente uns com os outros e criar valor na forma de recursos compartilhados.
Essa dependência mútua entre a dinâmica relacional e a infra-estrutura tecnológica que a facilita que cria às vezes a confusão linguística entre o P2P como tecnologia de base e o P2P como uma relação humana. Contudo, não é preciso uma infra-estrutura tecnológica totalmente P2P para facilitar as relações sociais desse tipo. Para compreender melhor, compare o Facebook ou o Bitcoin com a Wikipedia ou projetos de software livre. Todos utilizam dinâmicas P2P, mas fazem isso de modos diferentes e com diferentes orientações políticas.
O P2P é, portanto, um modo de relacionamento que possibilita aos seres humanos, organizados em redes, colaborar, produzir e trocar valor. A colaboração é frequentemente sem autorização, significando que alguém pode não precisar da permissão para participar. A qualidade e inclusão do trabalho são geralmente determinados “a posteriori” por um grupo de administradores e editores, como no caso da Wikipedia.
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O P2P também pode ser um modo de alocar recursos que não envolve qualquer reciprocidade específica entre indivíduos, mas apenas entre os indivíduos e o recurso coletivo. Por exemplo, você está autorizado a desenvolver seu próprio software com base numa parte de um software já existente, distribuído sob a Licença Pública Geral (GNU, na sigla em inglês), amplamente usada, Basta que seu produto final esteja disponível sob o mesmo tipo de licença.
No universo da informação que pode ser compartilhada e copiada, as redes P2P de computadores interconectados, quando usadas por pessoas dispostas à colaboração, podem oferecer funcionalidades de compartilhamento vitais para os Comuns. Contudo, o P2P não se refere apenas à esfera digital e não está relacionado apenas a alta tecnologia. O P2P pode ser, geralmente, sinônimo de comunizar, porque ele descreve a capacidade de contribuir com a criação e manutenção de qualquer recurso compartilhado.
Há múltiplas definições de “Comum”. Aderimos à caracterização de David Bollier de Comum como um recurso compartilhado, cogovernado por sua comunidade de usuários conforme as regras e normas daquela comunidade. A esfera do Comum pode conter tanto bens e recursos concorrentes – aqueles que você e eu não podemos ter ao mesmo tempo – como bens e recursos não-concorrentes, que não se esgotam pelo uso. Esses tipos de bens ou recursos, por sua vez, ou foram herdados ou são criados pelo ser humano.
Por exemplo, um tipo de Comum inclui as dádivas da natureza, tais como a água e a terra, mas também bens compartilhados ou trabalho criativo, como artefatos culturais e de conhecimento. Nosso foco aqui é no Comum digital do conhecimento, software e projeto, porque eles são os “novos Comuns”. Representam o compartilhar do conhecimento produtivo, parte integral da capacidade necessária para produzir qualquer coisa, inclusive bens físicos.
O P2P está possivelmente movendo-se da periferia do sistema socioeconômico para o seu centro. Ao fazê-lo, transforma outros tipos de relação, tais como a dinâmica do mercado, a dinâmica do Estado e as dinâmicas de reciprocidade. Essas dinâmicas tornam-se mais eficientes e obtêm vantagens utilizando os Comuns. As relações pessoa-a-pessoa podem ganhar escala, principalmente por causa de emergência das tecnologias P2P prontas para internet. Isso significa que dinâmicas de pequenos grupos podem agora ser aplicadas em nível global.
As tecnologias pessoa-a-pessoa são boas, más ou neutras?

"Não postulamos que uma certa tecnologia pode levar a um resultado social inevitável. Apesar disso, reconhecemos o papel chave que as tecnologias desempenham na evolução social e as novas possibilidades que criam se certos grupos humanos as utilizam com sucesso"  
   
Não postulamos que uma certa tecnologia pode levar a um resultado social inevitável. Apesar disso, reconhecemos o papel chave que as tecnologias desempenham na evolução social e as novas possibilidades que criam se certos grupos humanos as utilizam com sucesso. Diferentes forças sociais investem nesse potencial e usam-no para seu proveito, lutando para beneficiar-se de seu uso. A tecnologia é melhor entendida como um foco de luta social, e não como algo já pré determinado, que cria um único futuro, tecnologicamente determinado.
Além disso, quando grupos sociais apropriam-se de uma tecnologia em particular para seus próprios fins, então sistemas sociais, políticos e econômicos podem efetivamente mudar. Um exemplo é o papel que a invenção da imprensa escrita, associada com outras invenções, desempenhou na transformação das sociedades europeias.
A disponibilidade cada vez maior das tecnologias de informação permite a comunicação de muitos-com-muitos e dá, a um número crescente número de serems humanos, a possibilidade de se comunicar de modos que antes não eram tecnicamente possíveis. Isso, por sua vez, torna possível uma auto-organização maciça em escala global. Permite também a criação de um novo modo de produção, um novo modo de troca e novos tipos de relações sociais for a do nexo Estado-mercado.
A internet cria oportunidades de transformação social. No passado, com as tecnologias pré-digitais, os custos de escala em termos de comunicação e coordenação tornaram necessários os mercados e a hierarquia, como formas de reduzir estes custos. Hoje, ao contrário, é também possível ampliar projetos por meio de novos mecanismos de coordenação, que podem permitir que dinâmicas de pequeno grupo sejam aplicadas em nível global. Isso significa que é possível agora combinar estruturas mais “horizontais” e, ainda assim, agir eficientemente numa escala planetária. Nunca isso foi possível antes.



Como o P2P se relaciona com o capitalismo?


Vivemos num momento histórico, em que formas de organização em rede e relativamente horizontais são capazes de produzir resultados sociais complexos e sofisticados. Estes são frequentemente melhores do que os produzidos por mecanismos baseados apenas no Estado ou no mercado. Considere apenas como a Wikipedia, produzida por pares, deslocou a Enciclopédia Britânica, organizada pela empresa. Ou como os softwares livres e de fonte aberta, produzidos por pares, desalojou o software proprietário; ou como o Wikileaks sobreviveu aos ataques de alguns dos Estados mais poderodos do mundo.
As formas híbridas de organização no interior de projetos P2P não se baseiam primariamente nem em decisões hierárquicas nem em preços de mercado – mas em mecanismos de mútua coordenação, que são extraordinariamente resilientes. Contudo, esses mecanismos emergentes de coordenação mútua estão também se tornando um ingrediente essencial do capitalismo. Esse é o aspecto “imanente” da produção pessoa-a-pessoa que pode transformar as formas dominantes atuais.
Mas esses mecanismos podem também tornar-se o veículo de novas configurações de produção e troca, que não são mais dominadas pelo capital e pelo Estado. Esse é o aspecto “transcendente” da produção por pares, já que ele cria um novo sistema geral que pode incluir as outras formas. No primeiro cenário, capital e Estado incluem os Comuns sob sua direção e dominação, levando a um novo tipo de capitalismo centrado. No segundo cenário, os Comuns, suas comunidades e instituições tornam-se dominantes e assim podem adaptar formas estatais e de mercado a seus melhores interesses.
As novas formas de produção colaborativa que se baseiam em mecanismos P2P têm algumas hierarquias. Contudo, elas geralmente carecem de estrutura hierárquica de comando para o próprio processo de produção. A produção pessoa-a-pessoa introduziu a capacidade de organizar complexos projetos globais através de coordenação mútua maciça. O que o mercado de preços é para o capitalismo e o planejamento é para a produção de base estatal, a coordenação mútua é para a produção por pares.
Como resultado, a emergência e ampliação dessa dinâmica P2P aponta para uma transição potencial na principal modalidade pela qual a humanidade aloca recursos. De um sistema mercado-Estado, que usa a tomada de decisão hierárquica (em empresas e no Estado) e fixação de preços (entre empresas e consumidores), podemos passar a um sistema que usa vários mecanismos de coordenação mútua. Isso não significa que o mercado e o Estado irão desaparecer completamente, mas que a configuração de diferentes modalidades – e o equilíbrio entre eles – será radicalmente redesenhada.
Nada disso implica que a transição ao P2P levará a uma utopia, nem que ela será fácil. De fato, se a história de transições socioeconômicas prévias pode servir de guia, a transição será muito provavelmente caótica. Assim como o P2P irá provavelmente resolver um grande número de problemas em nossa sociedade atual, irá criar outros, na nova sociedade. Apesar disso, esse continua a ser uma evolução social pela qual vale lutar. E mesmo que as relações P2P não se tornem a forma social dominante, elas influenciarão profundamente o futuro da humanidade.
Resumindo o relacionamento entre os aspectos tecnológico e social da dinâmica P2P – fortalecida por formas particulares de tecnologias – pode tornar-se a forma dominante de alocar os recursos necessários para a auto-reprodução humana, e então substituir o capitalismo como forma dominante. Isso irá requerer uma expansão mais forte dessa modalidade pessoa-a-pesoa, não apenas para a produção de “bens imateriais”, mas também para a produção de bens físicos (materiais).
Como o P2P será implementado na prática?
O P2P emerge como uma forma significativa de infra-estrutura tecnológica para várias forças sociais, mas o modo pelo qual ele é implementado (e controlado, e governado) faz toda a diferença. Nem todo P2P é igual em seus efeitos. Várias formas diferentes de infra-estrutura tecnológica pessoa-a-pessoa podem ser identificadas, cada uma das quais levando a formas diferentes de organização social e política.
Por um lado, podemos considerar, por exemplo, o capitalismo do Facebook, Uber ou Bitcoin. Por outro, podemos olhar para os modelos orientados para os Comuns da Wikipedia ou projetos de software livre. Adotar esta ou aquela forma específica de infra-estrutura tecnológica de P2P é o locus de um conflito social intenso, porque a escolha entre elas tem enormes consequências quanto ao que pode e o que não pode ser possível.
O P2P abre caminho para um novo (proto-)modo de produção, denominado produção pessoa-a-pessoa baseada nos Comuns, que se caracteriza por novas relações de produção. Nesta forma de produção, os colaboradores criam valor compartilhado por meio de sistemas colaborativos abertos, governam o trabalho comum por meio de práticas participativas, e criam recursos compartilhados que podem, por sua vez, ser usados em novas repetições. Esse ciclo de contribuição [aporte de dados] aberta, processo participatório e resultado [produção] orientado aos Comuns, é comparável à acumulação de capital.
Nesta etapa, o processo de produção pessoa-a-pessoa poderia ser visto como um protótipo daquilo que pode transformar-se num modo de produção completamente novo e numa nova forma de sociedade. Atualmente é um protótipo, uma vez que não pode ainda reproduzir-se completamente fora de uma dependência mútua com o capitalismo. Essa modalidade emergente de produção pessoa-a-pessoa não só é produtiva e inovadora “dentro do capitalismo”, mas também em sua capacidade de resolver alguns dos problemas estruturais gerados pelo modo capitalista de produção. Em outras palavras, representa uma potencial transcendência do capitalismo. Ou seja, argumentamos que enquanto os produtores pessoa-a-pessoa, ou comuneiros, não puderem engajar-se em sua própria autoreprodução fora da acumulação do capital, este processo irá manter-se como um protomodo de produção, não um modo completo.
A produção pessoa-a-pessoa pode ser inovadora dentro do contexto da competição capitalista, porque as empresas que podem acessar o conhecimento comum possuem uma vantagem competitiva sobre que usam conhecimento proprietário e podem contar apenas com sua própria pesquisa. Por exemplo, ao mutualizar o desenvolvimento de software numa rede aberta, a produção pessoa-a-pessoa poderia ser vista como a mutualização do conhecimento produtivo pelas próprias corporações capitalistas. Basta ver os investimentos da IBM em projetos de software livre.
Ainda assim, esse investimento capitalista não é algo negativo em si mesma – ao contrário, é uma circunstância que amplia o investimento da sociedade numa transição baseada no P2P. É precisamente porque o P2P resolve algumas questões estruturais do sistema atual que tanto os empresários quanto os executivos voltam-se com direção a ele. Isso significa que o capital circula para projetos P2P — e ainda que ele distorça o P2P, para fazer com que este prolongue a dominância dos velhos modelos econômicos, ele cria, ao mesmo tempo, novos modos de pensar na sociedade, que minam a dominação.
Contudo, a nova classe de comuneiros não pode contar com as práticas e investimentos capitalistas. Eles precisam usar meios engenhosos para tornar a produção pessoa-a-pessoa com base comum mais independente da economia política dominante. Ao final, podemos chegar a uma posição em que o equilíbrio de poder dê uma virada: os Comuns e suas forças sociais tornam-se a força dominante na sociedade, o que lhes permite pressionar formas do Estado e do mercado a adaptar-se a seus próprios requisitos. De modo que deveríamos lutar para escapar da situação em que capitalistas cooptem os Comuns, e apontar para uma situação na qual os Comuns capturem o capital, e façam-no trabalhar para seu próprio desenvolvimento.
Esta estratégia proposta de cooptação reversa foi denominada “transvestimento” por Dmytri Kleiner e Baruch Gottlieb. O transvestimento descreve a transferência de valor de uma modalidade a outra. Em nosso caso isso seria do capitalismo aos Comuns. Assim, estratégias de transvestimento têm por objetivo ajudar os Comuns a se tornarem financeiramente sustentáveis e independentes. Tais estratégias estão sendo desenvolvidas e implementadas por coalisões empreendedoras orientadas aos Comuns, tais como a rede Enspiral ou a Sensorica.
Por exemplo, os participantes da rede Enspiral  criam produtos e serviços orientados ao Comum, ao mesmo tempo em que geram renda do mercado capitalista. Eles contribuem com parte de sua renda com o pool da Fundação Enspiral. O montante total é então investido em novos projetos por meio de um processo de financiamento colaborativo. A Enspiral também aproveita financiamento externo usando certos “hacks”, que aos poucos lhes permitem transferir todos os seus recursos para sua missão social. O Loomio, uma plataforma livre que facilita a tomada de decisões coletivas, é o produto mais notável da rede.
Como foi dito, os Comuns diigitais de conhecimento, software e design são um recurso abundante e enriquecido pelo uso. É aqui que o pleno compartilhamento e a plena capacidade para reunir colaboradores deve ser preservada. Mas nos serviços e produtos de valor agregado que são construidos em torno desses Comuns, lidamos com recursos rivais. Aqui, os Comuns deveriam ser protegidos da captura pelo capital. É nessa esfera cooperativa da produção física e de serviços que as regras de reciprocidade deveriam ser aplicadas. Propomos uma combinação de compartilhamento não-recíproco na esfera imaterial, com arranjos recíprocos na esfera da produção física. Assim, em nossa visão, quando a produção pessoa-a-pessoa com base no Comum tornar-se um modo completo de produção, ela combinará Comum e cooperativismo.
Rumo a uma sociedade centrada nos comuns?
Àquela altura, se a mudança de comunidades microeconômicas P2P para uma nova modalidade dominante de “macroeconomia” de criação e distribuição de valor for bem sucedida, uma fase de transição para uma sociedade e economia centrada nos Comuns pode acontecer. Isso será a revolução dos nossos tempos, e uma mudança fundamental nas regras e normas que decidem qual é o valor e como ele é produzido e distribuido na sociedade. Em suma: uma mudança para um novo regime de valor pós-capitalista.
O P2P é considerado tanto como uma relação social como um modo de troca, como uma infra-estrutura sociotecnológica e um modo de produção. Todos esses aspectos, quando combinados,
"O P2P é considerado tanto como uma relação social como um modo de troca, como uma infra-estrutura sociotecnológica e um modo de produção. Todos esses aspectos, quando combinados, contribuem com a criação de um novo modelo pós-capitalista, uma nova fase na evolução da organização de sociedades humanas"  
   
contribuem com a criação de um novo modelo pós-capitalista, uma nova fase na evolução da organização de sociedades humanas. Isso tornará necessária uma discusso sobre transição econômica e política. Em nível macroeconômico de produção baseada nos comuns, as dinâmicas pessoa-a-pessoa já estão criando as sementes institucionais que prenunciam um novo modelo social.
O P2P poderia levar a um modelo no qual a sociedade civil torna-se produtiva por meio da participação de cidadãos na criação colaborativa de riquezas através dos Comuns. Nessa comunidade pluralista, múltiplas formas de criação e distribuição de valor irão coexistir, mas muito provavelmente em torno do atrativo geral que são os Comuns. Nós não defendemos um “totalitarismo” dos Comuns. Mas, ao contrário, tornar os Comuns uma instituição central, que “guie” todas as outras formas sociais – incluindo o Estado e e o mercado – rumo à aquisição do maior bem comum e a máxima autonomia.
Tradução: Inês Castilho


 Michel Bauwens é o fundador e diretor da Fundação P2P e trabalha em colaboração com um grupo global de pesquisadores na exploração da produção, governaça e propriedade pessoa-a-pessoa,
Vasilis Kostakis é um pesquisador sênior na Universidade Tallinn de Tecnologia e fundador do Lab P2P.