Retrato de Karl Marx feito com massinha pelo artista plástico Nobru
A Boitempo está por tras do projeto internacional. MARX: a criação destruidora terá
início no dia 11/03, às 11h (R$10 para toda a etapa), pelo site http://marxcriacaodestruidora.com.br.
A segunda etapa, intitulada IV Seminário Margem Esquerda: Marx e O
capital, com destaque para a conferência do geógrafo britânico David
Harvey, que lançará o livro Para entender O capital, e do cientista
político alemão Michael Heinrich.
A segunda etapa também contempla vários debates com alguns dos mais renomados especialistas em Marx, como
Francisco de Oliveira [sociólogo]
João Quartim de Moraes [filósofo]
Emir Sader [sociólogo]
José Arthur Giannotti [filósofo]
Roberto Schwarz [crítico literário]
Leda Paulani [economista]
Paul Singer [economista]
Virgínia Fontes [historiadora]
Reportagem de Cassiano Elek Machado publicada na Folha de S.Paulo , 22 de fevereiro de 2013.
Nos arredores de Budapeste há um parque chamado Szoborpark, o Parque
das Estátuas. Criado em 1993, este museu ao ar livre abriga esculturas
que perderam espaço na Hungria com o fim do regime comunista.
Além de bustos de obsoletos líderes locais, como Béla Kun, estão lá,
entre estátuas de Lênin e Stálin, diversas esculturas representando a
efígie barbuda de Karl Marx.
Para muitos, nada mais adequado. Com o fim dos regimes comunistas, as
ideias do intelectual alemão teriam virado perfeitos objetos de museu.
Para outros tantos, porém, Marx (1818-1883), o autor do “Manifesto
Comunista” (obra que completou ontem 165 aninhos), está mais vivo do que
nunca.
No Brasil, ao menos, as ideias do filósofo, economista, cientista
social, jornalista e historiador vivem um de seus grandes momentos.
Prova concreta disso chega nas próximas semanas às livrarias
nacionais. A editora Boitempo, que vem lançando todas as obras de Marx e
de seu parceiro intelectual,o compatriota Friedrich Engels (1820-1895),
publica agora em março o primeiro dos três volumes de “O Capital”, seu
trabalho de mais fôlego.
Será apenas a segunda edição integral brasileira do ensaio, lançado
originalmente em 1867. Antes disso, houve apenas uma tradução completa,
feita nos anos 1960 por Reginaldo Sant’anna (além de uma edição parcial,
coordenada por Paul Singer, no início dos anos 1980).
Em conjunto ao lançamento da nova edição de “O Capital”, a Boitempo e
o Sesc-SP promovem, a partir de março, um ciclo de palestras e debates
sobre Marx que se estenderá até maio.
“Marx – A Criação Destruidora” (veja programação completa acima) terá a
participação de mais de 20 intelectuais de diversas áreas do
conhecimento, incluindo convidados internacionais de renome, como o
filósofo esloveno Slavoj iek, o geógrafo britânico David Harvey, que
lançará, na ocasião, o livro “Para entender ‘O Capital’”, e o cientista
político alemão Michael Heinrich.
O CIENTISTA POLÍTICO
Heinrich tinha 14 anos quando começou a ler Karl Marx, ainda no
colégio. Hoje, aos 55, trabalha no MEGA, codinome do projeto alemão
Marx-Engels-Gesamtausgabe, que vem reestabelecendo os textos e
publicando em edições críticas todas as linhas já escritas pela dupla.
O professor, que virá ao país para uma palestra em 22 de março
intitulada “Os Manuscritos de Karl Marx e Friedrich Engels”, é autor de
um popular livro de apresentação chamado “Uma Introdução aos Três
Volumes de ‘O Capital” (sem edição brasileira).
A menção aos “três volumes” no título de seu livro não é casual.
Quais seriam as suas sugestões para entender bem o intrincado “O
Capital”?, lhe questiona a Folha.
“Vou resumir todas minhas dicas em uma só”, responde. “Leia ‘O Capital’ na íntegra.”
Heinrich, que vem trabalhando em perspectiva não ortodoxa marxista (o
próprio Marx se disse “não marxista” em carta para o genro Paul
Lafargue, lembra ele) para recuperar o legado intelectual do autor, diz
que certos livros de introdução desvirtuam os objetivos da obra.
“As três partes do livro formam uma unidade. Se você ler apenas o
primeiro volume terá uma visão não só incompleta, como errada. O sentido
integral, mesmo de categorias como valor e mercadoria, só se revela com
o final do livro”, afirma.
É preciso, diz ele, questionar o que Marx tenta analisar de fato.
“Não era o capitalismo inglês nem o capitalismo do século 19, mas sim a
organização interna do modo de produção capitalista, em seu ideal médio,
como Marx resume no final do volume 3.”
Nessa perspectiva, sustenta ele, a leitura do livro hoje faria muito
mais sentido (e a Folha perguntou a importantes intelectuais brasileiros
“por que ler Marx hoje”). “Grande parte da análise que ele faz do
capitalismo se aplica muito mais ao que aconteceu no século 20 e no 21
do que ao tempo dele.”
Heinrich diz que um dos grandes enigmas para ele “é entender como o
trabalho de um homem que devotou a maior parte da vida à análise do
capitalismo e fez pontuais notas sobre a sociedade capitalista é
considerado o responsável por um modelo social extremamente autoritário
chamado ‘socialismo’”.
Testemunha da queda do Muro de Berlim, em 1989, ele assistiu o
interesse por Marx na Alemanha desabar, até ganhar empuxo novamente no
final dos anos 1990.
Ele defende o projeto no qual trabalha, o MEGA (também chamado de
MEGA-2, para se diferenciar de iniciativa semelhante dos anos 1920) por
difundir uma visão mais científica de Marx.
O TRADUTOR
É com perspectiva condizente ao discurso de Heinrich que Rubens
Enderle encarou a escalada do Everest que é a tradução de “O Capital”.
Já responsável, sozinho ou em parcerias, por traduções de importantes
trabalhos de Marx para a Boitempo, como “A Ideologia Alemã” e “A Guerra
Civil na França”, ele atuou durante dois anos no Marx-Engels-Institut
da Academia de Ciências de Berlim-Brandemburgo, responsável pelo projeto
MEGA.
Apesar de estar embebido em Karl Marx há muitas primaveras, Enderle,
38, diz que “não é marxista, mas sim um marxólogo”, diz o tradutor
gaúcho-mineiro-alemão.
“Isso influenciou o trabalho de tradução, pois minha preocupação como
tradutor é permanecer o mais fiel possível aos textos, o que, no caso
de Marx, implica se desvencilhar de chavões e vulgaridades ideológicas
que se acumularam sobre sua obra ao longo de séculos.”
Enderle, atualmente vivendo em Munique, ainda não chegou ao topo da montanha.
Ele está trabalhando no livro 2, que deve ser lançado no ano que vem.
Além das dificuldades tradicionais da tradução do alemão (“falta ao
português palavras como ‘coisal’ ou ‘coisalmente’”), ele sublinha outras
dificuldades técnicas específicas: “Há passagens em que Marx entra em
detalhes sobre peças mecânicas, principalmente de relojoaria”. Um
dicionário alemão de relojoaria foi de grande ajuda.
Segundo ele, o fato de a atual tradução ser a primeira baseada na
edição MEGA trará mais diferenciais nos volumes 2 e 3 da obra,
publicadas depois da morte de Marx.
Ivana Jinkings, diretora editorial da Boitempo, que tem extenso
catálogo de marxistas, já publicou 15 obras de Marx e Engels (o campeão
de vendas é “O Manifesto Comunista”, com 15 mil exemplares), diz que o
volume 3 será lançado em 2015. Curadora de diversos seminários sobre
Marx, incluindo o atual, ela espera bater o recorde de público desta
vez. “Esperamos mais de 15 mil pessoas.”
Intelectuais brasileiros explicam por que ainda é importante ler Marx
Questionados pela
Folha, quatro intelectuais brasileiros
explicam as razões pelas quais os escritos do filósofo alemão Karl Marx
são importantes até os dias de hoje e, por isso, ainda merecem leitura.
ROBERTO SCHWARZ, crítico literário
“Como percepção da sociedade moderna, não há nada que se compare a ‘O
Capital’, ao ‘Manifesto Comunista’ e aos escritos sobre a luta de
classes na França. A potência da formulação e da análise até hoje deixa
boquiaberto. Dito isso, os prognósticos de Marx sobre a revolução
operária não se realizaram, o que obriga a uma leitura distanciada.
Outros aspectos da teoria, entretanto, ficaram de pé, mais atuais do que
nunca, tais como a mercantilização da existência, a crise geral sempre
pendente e a exploração do trabalho. Nossa vida intelectual seria bem
mais relevante se não fechássemos os olhos para esse lado das coisas.”
JOSÉ ARTHUR GIANNOTTI, filósofo:
“Os textos de Marx, notadamente ‘O Capital’, fazem parte do
patrimônio da humanidade. Como todos os textos, estão sujeitos às modas,
que, hoje em dia, se sucedem numa velocidade assombrosa. Depois da
queda do Muro de Berlim, o marxismo saiu de moda, pois ficava provada de
vez a inviabilidade de uma economia exclusivamente regida por um comitê
central ‘obedecendo a regras racionais’, sem as informações advindas do
mercado. Mas a crise por que estamos passando recoloca a questão da
especificidade do modo de produção capitalista, em particular a maneira
pela qual esse sistema integra o trabalho na economia. O desemprego é
uma questão crucial. As novas tecnologias tendem a suprir empregos. Na
outra ponta, o dinheiro como capital, isto é, riqueza que parece
produzir lucros por si mesma, chega à aberração quando o capital
financeiro se desloca do funcionamento da economia e opera como se a
comandasse. A crise atual nos obriga a reler os pensadores da crise.
Como cumprir essa tarefa? Alguns simplesmente voltam a Marx como se
nesses 150 anos nada de novo tivesse acontecido. Outros alinhavam as
modas em curso com os textos de Marx, apimentados com conceitos do
idealismo alemão, da psicanálise, da fenomenologia heideggeriana. Creio
que a melhor coisa a fazer é reler os textos com cuidado, procurando
seus pressupostos e sempre lembrando que a obra de Marx ficou inacabada e
sua concepção de história, adulterada, por ter sido colada, sem os
cuidados necessários, a um darwinismo respingado de religiosidade.”
DELFIM NETTO, economista
“Porque Marx não é moda. É eterno!”
LEANDRO KONDER, filósofo:
“Os grandes pensadores são grandes porque abordam problemas
vastíssimos e o fazem com muita originalidade. A perspectiva burguesa,
conservadora, evita discuti-los. E é isso o que caracteriza seu
conservadorismo. Marx é o autor mais incômodo que surgiu até hoje na
filosofia. Conceitos como materialismo histórico, ideologia, alienação,
comunismo e outros são imprescindíveis ao avanço do conhecimento
crítico. Por isso, mais do que nunca é preciso frequentá-los.”