O governo avança vorazmente sobre os nossos direitos, sem distinção: sejam trabalhadores da cidade ou do campo, sejam os povos tradicionais, estamos todos sendo prejudicados. E os ataques vêm do Executivo, do Legislativo e do Judiciário. Por isso, é importante que estejamos unidos. O Dia do Juízo Final das comunidades quilombolas pode ser 16 de agosto. A causa deles deve ser nossa também. Quilombolas são brasileiros como nós. Somos todos quilombolas! Assine a nossa petição!
Assista ao vídeo da campanha, estrelado pelos atores Ícaro Silva e Letícia Colin.
E leia abaixo o artigo de Denildo Rodrigues de Moraes, o Biko, coordenador nacional da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), publicado originalmente no jornal O Globo
Ainda há quem nos meça em arrobas
Nasci em um território quilombola no Estado de São Paulo. O Quilombo Ivaporunduva é de 1630: sua história se confunde com a do Brasil. Ele está encravado no Vale do Ribeira, o último remanescente de área contínua de Mata Atlântica no Brasil. E se está preservado, isso em muito se deve à nossa presença, pois a cultura quilombola preza o uso racional dos recursos naturais.
Nossos antepassados vieram para cá contra a vontade. Mas, em algum momento, começaram a reconhecer como sendo sua terra o lugar onde viviam em liberdade. E a amá-la. O quilombo refazia vidas, porque essa liberdade não lhes era dada, mas conquistada. Ao longo dos anos, nós, descendentes de Zumbi, Ganga Zumba, Acotirene, Tereza de Benguela e Dandara, lutamos para assegurar o direito às terras que eles fizeram por merecer. Dependemos delas para sobreviver física e culturalmente. Em 1995, criamos a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq). Mas até o direito de lutar querem nos tomar. Porque em pleno século XXI ainda há quem nos meça em arrobas.
Minha terra e a minha identidade estão seriamente ameaçadas pela Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) no 3239/2004, que questiona o direito de propriedade das comunidades quilombolas, bem como o seu acesso a políticas públicas, garantidos pelo Decreto no 4.887 de 20 de novembro de 2003. Hoje, a Conaq representa mais de 3.500 quilombos em todas as regiões do país. Mais de 2.400 foram reconhecidos pela Fundação Palmares e aguardam sua titulação definitiva pelo Incra. Enquanto isso, só a Medida Provisória 759, recentemente sancionada pelo presidente Temer, pode regularizar de uma vez 2.376 terras públicas invadidas. É praticamente a institucionalização da grilagem de terras. São 4,3 milhões de hectares, o que dá quase um Estado do Rio de Janeiro. Os quilombos também estão na alça de mira de invasores. E eles têm agido com violência. Só na semana passada, dois líderes quilombolas foram assassinados na Bahia.
Quase 75% da população quilombola vivem em situação de extrema pobreza. Descendemos de pessoas que não nasceram aqui, chegaram ao Brasil acorrentadas em porões de navios. Portanto, não consideram nossos direitos originários, como os dos povos indígenas. Mas eles são garantidos por uma série de dispositivos. O principal é o Decreto 4.887, que regulamenta o procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos. Mas também temos o Artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias e 215 e 216 da Constituição da República; a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho de 7 de junho de 1989; o Decreto Legislativo no 143 de 20 de junho de 2002; o Decreto 5.051 de 19 de abril de 2004, a Instrução Normativa no 49 do Incra e a Portaria n.o 98 da Fundação Cultural Palmares. Temos a lei.
A ADI 3.239 foi entregue ao Supremo Tribunal Federal em 25 de junho de 2004, pelo antigo Partido da Frente Liberal (PFL), atual Democratas (DEM). Uma decisão do STF pela inconstitucionalidade do Decreto 4.887 pode paralisar o andamento dos processos para titulação de terras quilombolas no Incra, além de ameaçar os já titulados. O julgamento vem se arrastando desde 2012 e será retomado agora, em 16 de agosto. A rapidez com que a população brasileira tem perdido direitos nos últimos tempos nos deixa bastante apreensivos. A manutenção do Decreto 4.887 é imprescindível para as comunidades quilombolas do Brasil.
Quilombo Ivaporunduva, 24 de julho de 2017
Entenda o caso
A ADI 3.239 foi levada ao Supremo Tribunal Federal em 25 de junho de 2004, pelo antigo Partido da Frente Liberal (PFL), atual Democratas (DEM). Uma decisão do STF pela inconstitucionalidade do Decreto 4.887 pode paralisar o andamento dos processos para titulação de terras quilombolas no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). E pior, pode anular os já titulados.
O julgamento se arrasta desde 2012 e será retomado no dia 16 de agosto. A matéria já esteve em pauta no Tribunal em ocasiões anteriores e o placar do julgamento está empatado em 1 x 1. O relator, Cezar Peluso, que já não integra o STF, foi favorável à ação naquela ano, enquanto a ministra Rosa Weber apresentou voto contrário, em 2015.
O voto da ministra, apesar de rechaçar categoricamente a inconstitucionalidade do decreto, defende a adoção de um “marco temporal” para o reconhecimento da titulação: apenas comunidades na posse de seus territórios em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição, teriam este direito. Isso pode prejudicar várias comunidades quilombolas existentes no país. Muitas delas foram expulsas de suas terras, inclusive com uso de violência.
A ADI também põe em risco os direitos garantidos às comunidades nos artigos 215 e 216 Constituição Federal; no Artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais; na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT); no Decreto Legislativo nº 143/2002; no Decreto 5.051/2004; no Decreto 6.040/2007; na Instrução Normativa nº 49 do Incra; e na Portaria nº 98 da Fundação Cultural Palmares.
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