A suposta criação de uma nova
classe média – anunciada pelo ex-presidente da República Luiz Inácio
Lula da Silva (PT), e por Dilma Rousseff (PT), é uma ‘bobagem
sociológica’, já que o que houve foi a ampliação da classe trabalhadora.
É o que afirma a filósofa Marilena Chauí.
Por Renato Dias – publicado na Rede Democrática*
Ela analisa os descaminhos da
democracia no Brasil, ataca o STF, diz que mídia manipula informação,
controla a internet e frisa que Renan Calheiros é regra
A filósofa Marilena Chauí participou, na
última quarta-feira, 13, em Goiânia, da edição do Café com Ideias. O
fórum é uma promoção do Centro Cultural Oscar Niemeyer, do Governo de
Goiás. O evento é organizado pelo jornalista e professor Lisandro
Nogueira.
Professora titular do Departamento de
Filosofia da Universidade de São Paulo (USP), Marilena Chauí informa que
existem duas classes no capitalismo [Burguesia e proletariado/classe
trabalhadora]. Para ela, a classe média não teria função econômica, mas
ideológica. “Como correia de transmissão das ideologias das classes
dominantes. Até intelectuais pertencem, hoje, à classe trabalhadora”,
dispara. “Técnica e ciência viraram forças produtivas”, analisa.
PERPLEXIDADE
A antiga classe média está apavorada,
porque pela escolaridade ela não se distingue, provoca. “Pela profissão,
menos ainda, ”atira. Ela está perplexa com a entrada da classe
trabalhadora na sociedade de consumo, insiste. “Qualquer um pode andar
de avião. Não tem mais distinção nenhuma”, ironiza. Cáustica, a
ex-secretária de Cultura da Prefeitura Municipal de São Paulo
(1989-1992), sob a gestão de Luiza Erundina, define a classe média como
“conservadora e autoritária”.
A professora denuncia os grandes
conglomerados de comunicação. A mídia monopoliza a informação, avalia.
“A discordância é vista (pela mídia) como discordância e atraso,
portando perigosa”, explica. Segundo ela, há 10 anos, a mídia era um
oligopólio. Hoje, quase atinge a dimensão de um monopólio”, informa.
“Monopólio, mão única, ideologia da competência, interesses obscenos. A
manipulação é contínua. É uma coisa nauseante”, discursa, em um tom de
indignação.
Marilena Chauí afirma que a internet
pode ser um fator de democratização do acesso à informação, mas também
de controle. Ela aponta a suposta vigilância e controle dos equipamentos
informáticos, com hegemonia dos Estados Unidos e do Japão.
NEOLIBERALISMO
Ligada ao PT, ela ataca o
neoliberalismo. “O encolhimento do espaço público e o alargamento dos
espaços privados.” Em uma crítica velada aos oito anos de gestão do
tucano Fernando Henrique Cardoso (SP), ela relata que o ‘remédio
neoliberal’ seria um engodo.“Como mostram as crises da União Europeia e
dos Estados Unidos”, explica. Especialista em Spinosa, a professora
diagnostica a desmontagem do sistema produtivo da Europa.“A Europa é um
parque jurássico e pode não conseguir se recuperar.”
A democracia é frágil no capitalismo
contemporâneo, aponta. Ela exorciza o que define como ideologia da
competência técnico-científica.“Um produto da divisão entre as classes
sociais, sedimentada pelos meios de comunicação social e que invade a
representação política”, teoriza. A filósofa diz que são imensos os
obstáculos à democracia no capitalismo.“A democracia não se confina a um
setor social apenas”, fuzila. O cerne da democracia é a criação de
direitos e ser aberta aos conflitos, acredita.
Marilena Chauí condena ainda o mito da
não violência brasileira. A imagem de um povo alegre, sensual, cordial
seria invertida. “O mito é também uma forma de ação, cuja função é
assegurar à sociedade a sua autoconservação. Ele encobre, substitui a
realidade”, analisa. Para ela, com a hegemonia da cultura do mito a
violência se restringiria à delinquência e à criminalidade, o que
legitimaria a ação do Estado, via-repressão, aos pobres, às supostas
classes perigosas.
“As desigualdades salariais entre homens
e mulheres, brancos e negros, brancos e índios, e a exploração do
trabalho infantil e de idosos são considerados normais”, discursa. “É no
fiozinho da vida cotidiana que você vê o grau de violência da sociedade
brasileira: você sabe com quem está falando?” analisa. A ex-secretária
de Cultura do município de São Paulo afirma que a sociedade brasileira é
autoritária.“O Supremo [STF] é a expressão máxima do autoritarismo”,
provoca. “Nós precisamos de quase 30 anos para criar a Comissão Nacional
da Verdade”. A CV surgiu em 2012. Ela cita como exemplo diferente a
instituição da Comissão da Verdade da África do Sul, logo após o fim do
Apartheid, regime de segregação social e racial. Ela culpa o sistema
político do Brasil, que teria sido criado pelo general Golbery do Couto e
Silva, bruxo da ditadura civil e militar (1964-1985).“Ninguém mexeu na
estrutura política [deixada pelo regime militar]”, pondera.
RENAN CALHEIROS
Crítica, Marilena Chauí avalia que o
presidente do Senado e do Congresso Nacional, Renan Calheiros (PMDB-AL),
[que abençoou os governos de Fernando Collor de Mello (1990-1992),
Fernando Henrique Cardoso (1995- 1998 e 1999-2002), Luiz Inácio Lula da
Silva (2003-2006 e 2007-2010) e Dilma Rousseff (2011-2013] faria parte
da ordem natural das coisas no Brasil. “A sua figura não é a exceção,
mas a regra”, dispara. É uma coisa esquizofrênica, metralha. “Mas uma
reforma política ampla poderia nos libertar.”
QUEM É MARILENA CHAUÍ
Personagem do Café com Ideias, Marilena
Chauí é professora titular de Filosofia Política e de História
da Filosofia Moderna da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas da Universidade de São Paulo (USP). Nascida no município de
Pidorama, Estado de São Paulo, no ano de 1941, ela é filha do jornalista
Nicolau Chauí e da professora Laura de Souza Chauí. Marilena Chauí é da
esquerda democrática e membro-fundadora do Partido dos Trabalhadores
(PT).
Ela possui graduação, mestrado e
doutorado em Filosofia. A filósofa é autora de livros como O que é
Ideologia, Coleção Primeiros Passos, Editora Brasiliense, Convite à
Filosofia; A Nervura do Real: Espinosa e a Questão da Liberdade. Mais:
Simulacro e Poder – Uma Análise da Mídia (1996), Editora Fundação Perseu
Abramo. Ela faz ainda a apresentação de A Invenção Democrática – Os
limites da dominação totalitária (2011), Coleção Invenções Democráticas
(Autêntica).
A professora de Filosofia da USP
Marilena Chauí exerceu ainda o cargo de secretária de Cultura da
Prefeitura de São Paulo na administração da prefeita Luiza Erundina, à
época no PT. É eleitora de Lula e Dilma e crítica da mídia.
(*Fonte: Diário da Manhã.- Foto Capa: Fora do Eixo)
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